Este Blog acabou.

 




Lembro-me, como se fosse hoje.

Com 44 anos, pela primeira vez na minha vida com baixa médica e a olhar para três médicos da Segurança Social, que me disseram com uma frieza brutal:

“você tem de se reformar.”

…/…

Nem queria acreditar no que acabara de ouvir e só respondi: “mas eu só tenho 44 anos!”

“Então vá trabalhar.”

E eu sem quaisquer condições para fazer o que quer que fosse.

Perguntei, humilhadíssimo, “e o que é que tenho de fazer para me reformar?”

Arranje um atestado do seu médico e preencha um formulário que os serviços lhe facultam.

Pedi um atestado médico igual a tantos outros que já tinha exposto para prolongar por 30 dias a minha baixa, uma página com dois parágrafos; mudou apenas a data e o tempo dos verbos. Nada mais que isso. Preenchi um formulário com duas páginas com as perguntas do costume: nome, morada, idade, profissão, tal e tal. Entreguei tudo no mesmo dia e voltei para casa.

Com 44 anos!

Passadas 3 semanas recebo uma carta da Segurança Social a atestar a minha reforma de 356 € por mês.

Nunca mais fui o mesmo homem.

Estas coisas nem se escrevem nem se contam, porque quase ninguém escreve fracassos. Ou só se dizem as conquistas ou se omitem os revezes. Estou-me nas tintas para isso. Sinceramente.

Depois veio a reforma do banco onde tinha trabalhado 16 anos. 234 €, porque aquele banco da Opus Dei pagava bem, mas descontava muito pouco para as reformas. Tudo eram prémios de produtividade, isenções de horários e outras coisas do género sem qualquer contribuição para as reformas dos seus funcionários.

Fiquei (por junto) com 590 € de reforma por mês, três pensões mensais para entregar aos meus filhos e todos os compromissos creditícios que tínha(mos) assumido. Ficaram SÓ para mim. A minha tia com uma despesa fixa mensal de 1.200 € internada nos cuidados paliativos, meia dúzia de rendas miseráveis que tinha herdado do meu pai. E contribuições de quase 3.000 € / ano decorrentes do “Imposto Mortágua” por metade de um terreno de 650 m2 na Nazaré que apenas tinha uma casa em ruínas. Paguei todos os impostos de sucessão pela morte de todos os meus, porque nessa altura o Estado considerava-se herdeiro dos bens que me deixaram.

Agora, já não é bem assim. O CDS do Paulo Portas resolveu esse escândalo de décadas. As rendas antigas continuaram congeladas.

A minha vida nessa altura e nos anos que se lhe seguiram foi uma coisa, digamos, “estranha”.

Já lá vai.

Mas aquela frase, “você tem de se reformar”, ouvida aos 44 anos, sem trabalho, sem hipóteses de o conseguir, cheio de compromissos financeiros que só eu tive de resolver, apesar de não ter sido eu sozinho a contraí-los, não foi fácil.

Quando um tipo é considerado “bem-nascido”, herdado, numa palavra “rico” todos os nossos fracassos são celebrados pelos “tristes da vida” com 'alguma' exuberância. Foi o o caso. Ainda por cima recém-saído o 4º piso do HSA.

Agora, tudo isso até pode dar vontade de sorrir. A mim não dá. Nem nunca dará. Talvez por isso ainda tenha necessidade de falar destas coisas.

Segundo divórcio. Três filhos, sem emprego e reformado. Um monte de merda. “Coitado do Armando Teodósio, deve estar a dar voltas na cova”.

A Vieira é uma terra cruel. Sempre foi.

As coisas foram-se compondo. Muito lentamente, mas foram-se compondo.

Arrendei outros espaços, fiz o saneamento das minhas dívidas. Sacrifiquei tudo o que podia e o que não podia, sem nunca ter faltado aos meus filhos, vendi um terreno, ainda no tempo da minha tia, vendi todas as ações do BCP que possuía com enorme prejuízo e, equilibrei-me.

Talvez seja por isso que passo horas e horas na minha varanda da Nazaré a assistir a todas as traineiras que saem diariamente do porto de abrigo até às 4 ou cinco da manhã, para depois as tornar a ver de volta pelas 6 da tarde até ao pôr do sol.

Vivo numa casa a cair de podre, com uma esperança enorme que o António desenhe o projeto para ressuscitar tudo isto. Com um café no R/C e um AL no primeiro e segundo andar.

Já não penso em mim por aqui.

Gostava de deixar os putos bem. Com um pouco mais do que me deixaram.

Nesta altura, acredito em muito pouca coisa e em muito, mas mesmo muito pouca gente. Penso que deve ser normal. As desilusões fazem parte da vida. No entanto quando se tratam de pessoas que amamos e por vezes amamos muito, é pior. É desgraçado, diria. Tem-me acontecido ultimamente.

Mas também pouco ou nada passou verdadeiramente a interessar, porque tudo o que é, é. Já tudo o que pareceu ser e nunca foi, … nunca foi. E estou a falar de valores, de integridade, de honestidade, e essencialmente de verdade. Das pessoas que amamos. E por vezes em demasia. Isso dói mais que a morte de um pai.

Por esta altura, pouco ou nada me importa.

Prefiro perder-me a olhar para as estúpidas das traineiras a sair do porto de abrigo da Nazaré e a passar horas à procura de uma casa velha com uma porta e duas janelas em Trás os Montes ou no Alentejo com uma vista maluca para repartir o meu tempo entre as duas casas.

A Vieira, cansou-me. Esgotou-me e fiquei a saber que também não me quer para nada.

Estas coisas de se ter um feitio e um passado ‘estranho’ também não ajuda muito.

Estou a acabar o livro dos poemas que propus à Junta de Freguesia.

Vai ficar bonito. Dentro do que era possível, evidentemente. Não será nenhuma Obra-Prima, nem poderia. Dei o meu melhor que é o que interessa.

Não tenho mais nada a fazer por aqui.

Apenas construir a casa que o António desenhar, refazer o melhor Café Liz de sempre, e … sair, para dar lugar aos que se seguem.

A olhar para os dois infinitos mais bonitos e pacificadores que existem.

O do mar e o da serra.

Não quero mais nada.

E ficar contigo, Helena. 

Até ao fim.


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