Conversas de Velho.
Quando o tempo passa a ser nosso, e não daqueles de quem
não gostamos ou a quem somos totalmente indiferentes, normalmente acontece uma
de duas coisas: ou o sabemos aproveitar e tentar apreciar com sabedoria ou o passamos a gastar apenas mal, porque se tornou numa sucessão de dias e noites iguais e sem graça nenhuma.
António Bagão Félix, grande economista e homem de elevados
princípios e valores, democrata como poucos, homem de direita, daquela direita
inteligente, solidária e humanista que respeito imenso; já reformado,
inscreveu-se em aulas de italiano, apenas porque sempre adorara essa língua e
queria aprender a escrever, a ler e a falar esse idioma.
Um dos seus netos uma vez perguntou-lhe porque andava o avô a
aprender italiano com aquela idade (que deveria rondar os setenta).
A resposta foi pronta e óbvia: “porque gosto de aprender. E
gosto de aprender o que me apetece. Dá-me prazer, faz-me feliz.”
Não sei a idade desse neto quando questionou o avô, por isso
não comento se essa resposta o possa ter tocado ou não. Também isso agora interessa pouco.
Quando concorri ao curso de História na Faculdade de Letras
de Coimbra tinha como firme propósito terminar todas as cadeiras a que me
propusesse fazer, para obter o grau de licenciado.
Por motivo$ diversos tive de abandonar esse propósito e o
tempo que passei sem ir a Coimbra obrigatoriamente fez-me pensar.
Vou tirar outra licenciatura porquê? Para dizer, como o outro, que tenho duas. Ná.
Isso não era para mim. Não me estava a ver a ter de fazer
fretes. Aturar professores e cadeiras que nada tinham a ver comigo.
Acontece que o curso de História sempre me fascinou e
simplesmente não ia abandonar esse sonho facilmente.
Decidi que, quando tivesse condições$ para voltar, regressaria, mas só me iria inscrever nas cadeiras que me interessassem e me
dessem gozo. Apenas pelo prazer de aprender uma coisa que se gosta muito.
No próximo ano letivo 2025/2026 irei recomeçar. Sem ter
qualquer meta no horizonte. Nada mais que isso. Se me apetecer fazer 10
disciplinas, faço-as, se me apetecer fazer 20 ou 30 também. E, a um ritmo
decente e saudável.
Hoje deu-me para aqui porque tive a minha primeira aula de bateria. Sonho antigo de 40 anos. Comprei recentemente uma bateria, mas achava eu, “estava perro”.
Necessitava de um professor.
Encontrei um excelente prof. na Marinha Grande. As aulas são
de ½ hora. Duas baterias uma para ele outra para mim.
Sento-me na 'máquina' e ouço esta pergunta:
“o que é que sabes fazer?”
E eu respondi: “barulho”.
Ao longo da aula foi-me perguntando se eu queria fazer parte
de algum conjunto, por exemplo e outras perguntas do género.
A minha única resposta foi. “Eu só quero estar em casa a
ouvir músicas sem registo de bateria para ser eu a tocar e divertir-me imenso
com isso. Só me quero divertir.”
Tanto no exemplo da Faculdade de Letras de Coimbra, como com
a bateria é o mesmo objetivo que me guia. O prazer puro, a descontração. É uma
forma de buscar a paz como outra qualquer.
Quando procuramos entender estes tempos de política, local,
nacional e internacional, e o conseguimos, a fuga para dentro de nós mesmos, por
vezes, é mesmo a nossa única salvação.
Nada podemos fazer. Ou porque não nos deixam ou porque não
nos é possível ou ainda porque não nos querem por perto. Nessas alturas experimentamos
uma sensação de impotência absoluta. Já ninguém tem capacidade de distorcer as
nossas análises (embora alguns ainda o tentem). Concluímos sem surpresa, que em
nada podemos contribuir para alterar o estado das coisas.
Nessa altura, ou nos confinamos à inutilidade e à pacatez dos
dias que passam ou resolvemos aprender tudo o que nos apetece.
Optei pela segunda hipótese!
Faz melhor à saúde, não nos cansa e devolve-nos o prazer
indescritível de só aprendermos o que nos apetece aprender.
E com isso passarmos a viver na liberdade de quem se tornou apenas leal a si mesmo.
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