António.

 


Quando, aos 29 anos, iniciei a minha vida maçónica, sempre senti, e ainda sinto, que fiz a melhor das ‘escolhas’ que me permitiram bater três vezes à porta do Templo, ‘Alípio Cacela e Cunha’, na mui Respeitável Loja Gomes Freire de Andrade, a Oriente de Leiria, e ter ouvido o saudoso Sidónio Violante a perguntar com aquela voz grave e inconfundível:

“Quem vem lá?”

Eu, um puto, vendado, sem que antes, alguém, que não fazia a mínima ideia de quem fosse, me tivesse soprado aos ouvidos:

“Um Homem Livre e de bons costumes.”

Nessa noite, quando regressei a casa, o meu Manel tinha poucos meses e estava a dormir no berço que tinha sido o meu, da minha mãe e da minha avó Maria.

Dormia como qualquer recém-nascido.

Na mais absoluta paz.

Olhei para aquela carinha pequenina e linda e só pensava:

“hoje fiz uma coisa da qual um dia, quem sabe te irás orgulhar imenso”.

Ainda hoje gosto de pensar assim.

Que um dia os meus filhos sintam uma pequena ponta de orgulho na opção que fiz em tempos. Era eu, nessa altura, da idade que eles têm agora.

Como tudo isto é tão breve. Tão breve.

Já vi muita coisa e muita gente, como é óbvio. Como, de resto, também presenciei noutras paragens. Em tantas paragens, importa dizer.

Como estou mais velho, pouco ou já nada me espanta. Nem sequer me desiludem certas coisas e pessoas com quem me vou deparando nos meus caminhos. 

Já aprendi que o melhor mesmo é ficar ‘aparentemente’ indiferente, sem nunca perder a autenticidade de dizer o que penso acerca dos temas e das ideias com que a sociedade se vai deparando e debatendo.

Nunca fiz cerimónia nem segredo da minha condição de maçon a ninguém. E, já lá vão quase 30 anos…

Tenho perfeita noção, aliás sempre tive, que a Maçonaria se debate (como quase sempre se debateu) com a ideia de ser uma Instituição mal vista e malquista pela maioria.

Incomoda-me pouco essa realidade.

Incomoda-me sim, por exemplo, a postura da Santa Madre Igreja Católica, da qual faço parte, que, na penumbra da ignorância e do preconceito ainda há poucos meses, assumiu com a assinatura de Francisco uma abominável ‘opinião’ acerca de todos os meus Irmãos Maçons.

Não gostei. Aliás, detestei!

A ignorância é sempre muito atrevida.

É da vida!

Que se lixe.

Os meus filhos, como é evidente, sabem desde sempre da minha condição de maçon. Todos eles o sabem.

O Manel, católico praticante, como conheço muito poucos, teve a abertura suficiente para um dia assistir a uma cerimónia lindíssima na minha Loja.

O João, já foi comigo a um encontro de maçons em Tomar, com uma visita guiada ao Convento de Cristo.

Já o António, sagrado nome tem aquele gajo, nunca se quis misturar nestas andanças.

Anda em arquitetura.

Que eu saiba, nunca leu um livro de maçonaria, nunca quis entrar num templo maçónico, sempre fugiu a todas estas coisas onde estou envolvido de alma e coração.

Estou muito poucos fins de semana com os meus filhos nos períodos escolares. Por isso, gosto de os aproveitar ao máximo quando estamos juntos.

De todos os três, só com o Tóino sou capaz de conversar acerca de determinados assuntos. Dos mais divertidos aos mais tristes e complicados.

Foi o que aconteceu numa destas noites, num fim de semana e às quinhentas da manhã, que é quando mais gostamos de conversar. Mostrei-lhe o meu avental e só lhe disse: “quando eu morrer, quero ir para o pé da Leta e do avô António. Este avental e a bandeira da Biblioteca são as únicas coisas que quero levar comigo. O avental tá aqui, a bandeira, manda-a fazer. Não quero padres, não quero mais nada.”

Se a vida fosse uma coisa simples e natural, esta conversa não teria sido possível, porque a coisa mais corriqueira para se falar entre um pai e um filho não seria nunca deste tipo. Muito menos às 5 da manhã. Acabava mesmo sem ter começado. Do género: “mas que parvoíce é esta conversa pai?”

O Tóino não abriu a boca.

Ontem telefonou-me para me desafiar a ‘olhar’ para o 'Logo' da Faculdade de Arquitetura de Lisboa onde se licenciou. E só me disse:

“olha bem para aquilo. És capaz de ficar surpreendido. É muito bonito para mim. Imagino para ti.”

Aquele logótipo é um conjunto monumental de símbolos maçónicos.

Puto do caraças!

Boa aprendizagem na USP.

Vou ter muitas saudades tuas.

Diverte-te e aprende.

Aprende muito nessa cidade com 13 milhões de pessoas e nessa faculdade de arquitetura que é das melhores do mundo.

Gosto muito de ti.

Um dia terás o teu avental.

Estou certo disso!

E, como se diz nessas paragens:

“Ousa. Ousa sempre!”

Meu amorzinho.


Comentários

Mensagens populares