Kadafi.
Acabei de trazer nos braços para casa o meu Kadafi. Para
morrer em paz e comigo por perto.
Estranhei a sua ausência, quando fui distribuir o jantar para
aquela rapaziada toda. O patriarca não estava presente. Coisa nunca antes
vista!
Chamei-o. Nada!
Depois lá o vi, longe, no quintal sossegado. Bastante
sossegado para o que sempre foi o seu hábito.
‘Desliguei’ e fui fazer tudo o que tinha p fazer em minha
casa. Pôr roupa a lavar, arrumar a cozinha, o quarto, aspirar a sala e limpar a
casa de banho.
Depois estranhei toda aquela calmaria dos meus cães. Ninguém
ladrava. Todos num silêncio, diria, ‘angustiado’.
Fui ver e só faltava o velho Kadafi. Chamei-o e nada. Ainda
pensei que, como em tantas outras ocasiões se tivesse escapulido para a rua.
Coisa que significaria, raspar as unhas na porta (o tal nº 22 do Largo da
República – porque coitado, não chega à campainha).
Nada.
Não estava na rua.
Aborreci-me a sério com os outros 4. E comecei a ralhar com
aquela ‘gente’ toda. “onde está o Kadafi?” Houve três que se encolhiam e fugiam
como quem está envergonhado e nada quer dizer.
Até que decidi perguntar ao filho dele. “Onde está o teu pai?
Se não me disseres nada, fico mesmo chateado contigo.”
E lá foi o Dr. a ladrar para perto do meu Kadafizinho, que
estava a morrer.
O Kadafi, tal como eu, sempre teve um comportamento de cão
rafeiro. Embora o pai tivesse sido um podengo e a mãe uma Yorkshire Terrier.
Mas, tal como eu, sempre se esteve nas tintas
para essas coisas. Era, tal como eu sou, um vulgar rafeiro. E nada mais que
isso.
No entanto, sempre mandou nesta matilha. Quando
os soltava a todos de noite, era o primeiro a chegar e, ficava à espera dos
outros. O mais desgraçado era sempre o FLUC. Coitado, chegava a casa, subia as
escadas com o rabo entre as pernas e o focinho no chão porque o Kadafi rosnava
forte e feio no primeiro andar a assistir à subida dos 20 degraus. E, rosnava
bem, como quem diz: “isto são horas?”
A relação de toda esta rapaziada sempre foi
porreira, sendo que o papel do patriarca era fundamental para manter alguma
ordem nisto.
Morreu agora. Nos meus braços.
Devo muito a este cão. Mesmo muito. O primeiro
inverno que vivi sozinho, foi com ele que partilhei os dias. Foi o único cão
que consenti tivesse dormido comigo, porque nunca tinha sentido tanta solidão.
Sempre discordei de toda a gente que permitia que cães ou gatos partilhassem a
cama com os seus donos.
Com o Kadafi não!
Dormimos costa com costa nesse inverno todo.
Até parecia que entendia tudo o que se passava comigo nesses tristes e vazios
tempos.
Morreu agora.
Há quem não ligue nenhuma á morte do seu cão.
Pois eu, fiquei triste. Muito triste. Não só
porque lhe devo muito, mas essencialmente, porque sempre me ouviu e (digo eu)
me deu boas e refletidas respostas, sempre que o confrontei com todas as minhas
dúvidas.
Nunca pensei ter de fazer um luto por um cão. Só que, bem vistas as coisas, há animais muito mais preciosos, verdadeiros e indispensáveis que muitas pessoas que conhecemos.
O que registei como mais importante foi mesmo o teu filho ter estado até ao fim encostadinho a ti enquanto os outros 3 ficaram bem perto, calados e tristes.
Os animais sempre a ensinarem-nos o essencial.
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