Para lá do que não se vê.
Ainda não dormi, como em tantas e tantas noites me tem
acontecido. Ou por isto, ou por aquilo, fui-me habituando a todas estas
espécies de faltas de disciplina. Talvez porque vivo sozinho. Talvez por isso.
Sinceramente não sei.
Não tenho horas nem dias para nada.
Faço o que me apetece.
Alimento-me bastante mal, quando estou sozinho.
Durmo ou melhor, deito-me para dormir quando
tenho sono, mas as séries da Netflix vistas no PC na cama não me deixam
grandes alternativas para adormecer a horas decentes.
Essa é que é a verdade.
Vivo numa casa a cair de podre.
É a minha casa. Com 119 anos.
Tenho de resolver isto. Quero resolver isto. Mas será essa
uma decisão racional?
Por vezes não me parece.
É um assunto a conversar com os meus três meninos. Onde em 4
votos eu terei sempre o voto de qualidade, mesmo que o escrutínio seja 3 contra
1. Se o 1 for o meu, eu é que decido. Nestas coisas, a democracia, não é para
aqui chamada.
Mas, como todos temos algum bom senso, será, digo eu, fácil,
tomar essa decisão.
Nunca saberei porque a Nazaré me chama desta maneira.
Absoluta.
A minha terra sempre foi uma e só uma.
Já vivi em Lisboa alguns anos. Nem sequer desgostei muito dessa experiência.
Mas a Vieira sempre me chamou. E eu, coitado, sempre
correspondi a todas essas chamadas.
Só que agora, desde que adormeci noutra cama, noutra terra, respirei outros ares, vi e convivi com outro pôr do sol, deixei-me ficar fascinado por outro horizonte que nunca pensei ter, a coisa ficou 'complicada'.
Tal como na Vieira, só saio de casa para o indispensável.
A diferença é que ninguém me conhece e vice-versa.
É a paz absoluta.
Comprei uma cana de pesca, logo eu que nunca me imaginei
nessas parvoíces de saber esperar por um peixe.
Logo eu, que nunca tive paciência, nem para me aturar a mim próprio e muito menos esperar por ... mim.
Agora, tudo me parece diferente.
Tão diferente.
Tão calmo.
Tão bom.
Devo estar mesmo a ficar velho. Deve ser isso apenas.
Ainda não pesquei nenhum peixe.
Mas não perdi a esperança nisso.
É só o que se me apraz dizer.
Estou feliz.
Todas as esperas me bastam.
A Nazaré da minha mãe, recebeu-me.
E conseguiu fazê-lo com ternura.
Passou a ser a minha terra.
E será para sempre,
porque descobri que é a melhor vista do mundo.
Pelo menos, do meu mundo.
Para me ir embora, apenas quando tiver de ser.
Para o outro lado da esperança.
Gostava mesmo que fosse por lá que no final de uma qualquer tarde de verão, daqui a alguns anos, me fosse embora a olhar calmamente e em paz, como tenho feito, para um arrastão a sair do porto e a entrar no mar imenso, seguro, decidido e confiante na colheita certa dos que sabem manter a ordem das coisas, do mundo, do tempo e da vida. Gostava que fosse assim.
…
A minha mãe,
Aliás, todas as nossas mães, sempre tiveram razão, acerca de
tudo o que mais conta na nossa vida.
Uma ou talvez duas vezes a ouvi dizer:
“Tu só serás feliz, quando adormeceres a ouvir as ondas do
mar da Nazaré.”
Comprovei isso.
Tem-me bastado.
Tem-me bastado. Mesmo!
Estás muito longe de imaginar a falta que me tens feito.
Aqui sentada, na cadeira ao meu lado.
Calados, os dois, a olhar para esta Obra-Prima. Sem fim, sem princípio, sem nada.
E, por isso mesmo, com tudo o que sempre nos fez falta aos dois.
A nossa Casa.
Mãe.
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