Afonso do Gás.

 


Grande e belo Abraço dei eu ontem ao Afonso. O Farto cheio como um ovo ao almoço. Tinha acabado de entrar e a primeira pessoa que vejo numa mesa a almoçar sozinho e, confesso, com um ar triste, olhou para mim e levantou-se com uma cara de manifesta e genuína felicidade.

Era o Afonso do Gás.

Esta terra tem, de facto, estórias absolutamente próprias, porque só mesmo nossas.

 

Na Vieira, o pessoal melindra-se e ‘corta relações’, como se dizia antigamente, por muito pouca coisa.

O meu avô António e o João Tomé (dono da fábrica de aços) ‘resolveram’ deixar de se falar durante uns dois ou 3 anos. Um dia encontravam-se os dois na estação de comboios de Monte Real sozinhos à espera. O meu avô resolve fazer esta pergunta: “olha lá João, porque é que não nos falamos?”

A resposta do industrial dos aços da Vieira foi esta:

“Sei lá António!”

O meu avô resolve concluir aquele maravilhoso diálogo com esta inesquecível frase:

“Venha daí um abraço”.

E pronto. Acabou!

Tenho uma estória parecida com o Afonso.

Quando o Joaquim Vidal e o Afonso foram adversários, porque ambos candidatos a presidente da Junta da Vieira, a ‘coisa’ esteve negra, de tão difícil. Muito difícil.

O PS, perdeu a maioria absoluta que vinha mantendo há 4 mandatos consecutivos. Ou seja, o Afonso não foi eleito por uma centena de votos.

Eu, fiz tudo o que podia para defender o meu partido e o meu candidato.

E, … inevitavelmente, zangamo-nos. Eu e o Afonso. Que sempre nos demos bem. Toda a vida fomos amigos. E bons Amigos.

Ele no IDV, eu na BIP. Até trocávamos estratégias de financiamento para as obras que ambos realizamos nas respetivas coletividades. Enquanto bancário, tudo fiz para aprovar créditos ao IDV e ajudei a ‘montar’ uma enorme operação de credito no BES ao Vieirense.

Tudo sempre correu bem entre nós.

Um dia, no dentista, enquanto esperávamos pela nossa vez, longamente conversamos os dois.

Como faltava muito tempo, viemos para a rua, sentamo-nos num muro e à medida que iam passando diversas pessoas, aquele gajo só me dizia: “tás a ver este? Vai votar em mim.” Toda a gente e foi muita que passava na rua ele logo concluía que seriam seus eleitores. Eu, que nestas coisas sempre fui um tanso, já me estava a enervar com tanta presunção e ia ficando calado. Até que o Afonso deu a ‘estocada mortal’: "Tens de me apoiar. Vens na minha lista pá. Ganhamos isto."

Fiquei f…..o com aquilo e só lhe disse: “olha lá pá, tu não sabes que sou militante do PS? Tás parvo ou quê? Mas, por outro lado, tou farto de muita coisa e de alguma gente.”

A coisa ficou assim e o Afonso interpretou as minhas palavras como uma forma de me poder envolver com a sua candidatura.

Dei tudo por tudo, nessas eleições pela candidatura do Vidal. Construí listas, ajudei a escrever o programa e tantas e tantas outras coisas que agora não importa mencionar.

A campanha aqueceu monumentalmente!

E eu e o Afonso zangamo-nos a sério. A coisa esteve mesmo bastante feia entre nós. E, importa dizer passados todos esses anos, tanto eu como ele fomos estupidamente parvos e cínicos muito para além do 'aceitável' um com o outro.

E, lá está, 'cortamos relações', durante uns dois anos ou mais. Nem um bom dia dizíamos. 

Uma vez num jantar no IDV, ficamos os dois sentados um ao lado do outro e nem uma palavra trocamos. E o jantar foi longo. Umas 3 horas à mesa. Sem uma palavra.

Essas merdas sempre me enervaram, mas como ele não me dava confiança, eu também não dei. Era o que mais faltava!

A minha tia HB sabia desse desiderato entre nós. Nunca me disse nada.

Uma tarde qualquer levei-a ao posto médico para mudar o penso de uma ferida. O Afonso também lá estava para levar uma injeção. Assim que o vi fiquei logo danado. “Este gajo tinha de estar aqui agora”.

A minha tia, que nunca teve vergonha nenhuma nestas coisas e, penso até que sempre adorou este tipo de ‘ocasiões’, vira-se para o Afonso e chamou-o. Ele coitado correspondeu e aproximou-se dela. A seguir chama-me a mim. Eu já estava quase a deitar fumo pelos olhos e a minha tia, vira-se para nós os dois como se fossemos ambos uns garotos e só disse assim: “olha lá Afonso, tu e o meu sobrinho não se falam e isso tem de acabar porque vocês sempre foram Amigos. Deem lá um abraço e acabem com este disparate”.

Eu e o Afonso só olhamos um para o outro como dois putos envergonhados e abraçamo-nos longamente.

Ninguém disse nada acerca desse momento.

Até hoje.

Voltamos a falar e até certa altura de cada vez que nos encontrávamos ele dizia sempre para quem quisesse ouvir: “eu só não fui presidente da Junta por causa deste gajo!”

Hoje, foi um dia diferente. Eu estava com o João, o 'guarda redes' do Vieirense que não conhecia aquele ex-presidente do seu clube do coração. Estávamos cá fora à espera de mesa e o Afonso resolve contar estas coisas todas ao meu puto.

Resolve virar-se para mim e terminar assim: “é pá temos de conversar os dois. Tenho mesmo saudades de estar contigo.”

Eu disse ao meu filho para ir buscar um livro para oferecer ao Afonso que nem sabia que eu tinha escrito um caderno de textos.

Entrego-lhe o livro, o Afonso olha para aquilo, não abre a boca e dá-me um abraço do tamanho do mundo, comovido e vai-se embora de repente. É difícil imaginar um gajo como ele comovido, não é?

Pois, mas estava!

Temos mesmo de nos encontrar, nem que seja, como é hábito, para dizer mal desta merda toda.


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