No país dos complicódromos.

 


Há umas semanas perdi a minha carteira. Ainda por cima com dinheiro. E, contra tudo o que é costume, com algum. E, carregada com todos os documentos.

Uma chatice que nunca me tinha acontecido.

Cartões do banco, CC, Carta de Condução, Sams, livretes dos carros entre muitos, muitos outros mais importantes, como o Cartão do PS, por exemplo.

Hoje já depois de ter tratado das coisas no banco e tal, fui passar o dia na Loja do cidadão em Leiria.

Tinha previamente obtido um documento passado pela GNR da Vieira que substituía temporariamente o CC e a Carta de Condução.

Comecei por tentar a substituição dos livretes. Até aqui tudo bem. Fui atendido por uma senhora com cara de travesti, gorda e antipática como tudo. Com umas unhas enormes pintadas de uma cor que não existe em nenhuma ‘palete’, anéis em todos os dedos e um cabelo horrível de quem não tem qualquer noção que deixou de ter 20 anos há mais de 40 anos atrás. Mas o que me irritava mesmo era o ar de enfado absoluto com que estava a tratar do meu problema.

Eis quando me pede o CC. Como lhe tinha explicado logo no princípio que estava ali porque tinha perdido a carteira com todos os documentos, só lhe respondi que não tinha esse documento e apresentei-lhe o documento da GNR.

“Ná!”

Não servia porque, nas palavras da senhora aquele documento não provava que “o senhor é o senhor. Eu sei lá se o senhor é o Rui, o Manel ou o Jaquim”.

Comecei logo a antever que aquilo ia dar merda.

Então pergunto: “como estamos numa Loja do Cidadão, eu trato primeiro da substituição do CC e venho depois acabar este problema dos documentos dos automóveis, ok?”

“Não serve, porque continuo sem saber se o senhor é o senhor!”

“Mas, não me vão entregar um documento provisório que substitui o CC?”

“Vão”

“Então, está tudo resolvido”.

“Não, porque continuo sem saber se você é você”.

Passei-me.

“Você é estrebaria! 

A senhora está a dizer que um documento provisório passado pelo Estado português que diz que eu sou eu, não serve para provar que eu …….. sou eu. Só se for com o cartão de plástico, porque o provisório não vale?"

“Exatamente! O de plástico tem um chipezinho dourado que é indispensável para o pedido de substituição dos livretes dos carros.”

“Não aceito isto, de forma nenhuma. Isto é burocracia a mais para a minha capacidade de entendimento.”

“Pois, agora toda a gente usa essa triste palavra. Burocracia.”

“Essa palavra tem mais anos do que a senhora ouviu? Até lhe digo mais, tem mais anos que a senhora e eu somados e olhe que eu já estou velho!

A senhora não tem vergonha de me estar a complicar a vida desta maneira?”

“Não lhe estou a complicar a vida. As coisas são como são. Agora pronto, já pode desabafar à vontade.”

“Mas a senhora é alguma psicóloga ou quê?!”

“Não, mas olhe que bem poderia ser. Só pode provar que o senhor é o senhor se tiver duas testemunhas que por escrito o atestem.”

Nesta altura lembrei-me que conhecia desde garoto uma funcionária dessa Loja do Cidadão e disse, ingenuamente: “a senhora tem uma colega a três metros daqui que pode atestar que eu sou eu, porque me conhece desde que nasci.”

“Não serve. É só uma pessoa, preciso de duas.”

Passei-me completamente.

Levantei-lhe o dedo e disse já fora de mim, “eu não saio daqui sem os documentos provisórios dos livretes dos meus carros ouviu? E vou-lhe provar que eu sou eu, grande mandriona.”

Quando me levantei o segurança e alguns colegas dela chamaram-me porque tinham ouvido aquele diálogo kafkiano e só me disseram: “o senhor deixe lá que vai sair daqui hoje com esses documentos”.

E saí!

A saber que eu sou eu.

Uma funcionária do estado a dizer, “para mim você não é você, mesmo com um documento passado pela Conservatória do Registo Civil que diga que você é você!”

É por estas e por outras que, tantas vezes a esmagadora maioria dos bons funcionários públicos deste país pagam por meia dúzia de mandriões e broncos como aquela mulher com cara de travesti e 356 anéis naqueles dedos gordos.

Ainda bem que no fim fiquei a saber que afinal eu, ... ainda era eu!

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