O Essencial.
Houve um dia em maio que por aqui deixei escrito um texto
difícil. Numa escrita profundamente amargurada e desesperadamente triste.
O meu velho Amigo Rui Alberto, com quem nem sequer falava
por essa altura, como tantas e tantas vezes tem acontecido nas nossas vidas
quando eu e os meus excessos resolvo à maneira antiga, “cortar relações”. Era
assim que a ‘coisa’ estava entre nós por causa de uma não menos ridícula
circunstância que tinha a minha querida Biblioteca como causa.
Dizia eu, nesse maio, muito, do muito desespero que tenho
vivido resolvi escrever. É estranho, mas parece que quando arrumei as coisas
mais importantes da minha vida entrei numa espécie de ressaca emocional. Era
mais ou menos isso que estava a acontecer comigo.
Há algum tempo, bastante tempo, que tenho andado assim. Sem
qualquer motivo aparente.
Nessa altura em que dava por mim a chorar sozinho com uma
espécie de facilidade e rapidez totalmente desconcertante, o Rui Alberto
telefonou-me. Homem de poucas palavras, como sempre foi desde miúdo, só me
disse, no essencial, que não estava na disposição de perder um Amigo assim com
tanta facilidade. Reconheço que o texto que escrevi, talvez tenha sido uma
espécie de pedido de ajuda, porque não me estava a aguentar.
Por outro lado, era uma espécie de despedida de tudo e de
todos.
O bem que me fez esse telefonema, confesso.
Recordo este episódio nem sei bem porquê. Talvez porque, têm
de existir coisas, momentos, pessoas e pequenos nadas que nos obriguem a focar
(como agora se diz) no essencial que a vida contém.
Nessas alturas, damos por nós na relativização maior de
quase tudo o que nos cerca, sendo que a esmagadora maioria de tudo onde temos
vindo a deter a nossa atenção deixa simplesmente de contar, porque não
interessa. Não conta para nada.
O pouco que sobra de tudo isso, ou seja, a essência da nossa
vida é esmagadoramente mais importante que tudo o que deixamos ou fomos
deixando pelo caminho.
Tenho estado com os meus filhos.
Muito tenho eu que fazer por aqui em casa. Estava na esperança
que me ajudassem e fossemos fazendo todas as tarefas uma a uma nesta casa.
Resolvi não me importar com nada disso. Disfrutei absolutamente da presença
deles. Muito conversei eu com o meu António, muito rimos os três.
Levantávamo-nos sempre tarde. Bastante tarde, porque nos deitávamos também
tardíssimo. Esse era o preço de nos rirmos uns dos outros, de nos divertirmos
uns com os outros por horas e horas depois do jantar.
O António foi ter com a namorada. Para a semana vai
trabalhar como servente de pedreiro a ‘assentar azulejo’ até ao fim do mês com
o assustador ordenado de 4,5€/hora.
Quando me resolve contar esta opção laboral, só lhe disse
“como queres ser arquiteto, é bom que saibas fazer essas tarefas na perfeição”.
As lições de vida que os meus três putos me têm dado.
O Tóino, um dia disse-me que gosta de trabalhar porque “os
pais não devem ser uma espécie de caixas multibanco”.
O João, está numa pastelaria da praia e o mais velho, que já
é doutorzeco, anda a fazer de “bagageiro” palavra fina para designar
“acarretador de malas” num complexo turístico de luxo do Algarve, onde ganha o
ordenado mínimo e acumula gorjetas que me escuso mencionar por tão exageradas
ao ‘ouvido comum’.
Quer fazer mestrado e, caso entre no ISPA, já tem uns
milhares poupados de todos os anos em que trabalhou para as respetivas
propinas. Sim, porque para esse, os pais não têm, após certa idade atingida
pelos filhos, de lhes continuar a pagar os estudos.
Tudo isto vem a propósito da felicidade, da alegria, da
gratidão à vida e da sublime simplicidade com que devemos dar importância ao
que importância tem.
Por vezes somos e estamos tão felizes, que nem nos damos
conta disso.
O que é que o telefonema do Rui tem que ver com tudo isto?
Tem muito, porque nunca nos devemos afastar do essencial.
Porque o essencial é e sempre será eterno e obviamente indispensável.
A amizade é assim. Indispensável.
Gosto por vezes de escrever assim, de uma forma mais
intimista, mais “impartilhável”. Sinto-me bem neste registo. Assim como, quando
vou deixando escrito coisitas acerca do meu pai, do meu avô, das minhas tias,
da minha mãe, sei lá!
A este propósito, uma vez disseram-me que essa forma de
escrita era a minha espécie de “marca de água” que deveria abandonar, talvez
por ridícula e repetitiva. Nessa altura até foi utilizado o ‘enorme’ exemplo,
do Miguel Sousa Tavares que tinha um outro e grandioso estatuto e muito maior
‘pedigree’ familiar e, … não falava assim dos seus ilustres familiares diretos.
Visto isto a alguma distância, não deixa de me surpreender,
porque das coisas que mais orgulho sinto, têm todas elas, a ver com a enorme
qualidade dos Amigos que tenho, da família que por sorte tive e hoje é a que
tenho, pelas mulheres que amei, pelas boas coisas que fui tendo capacidade de
deixar feito e claro, do que ainda desejo fazer.
Como dizia o Aníbal Branco: “a riqueza das coisas simples é
tudo o que mais importa na nossa vida”.
Foi o que me deixou o Aníbal. Deixou-me um dos meus melhores
Amigos, o seu filho, e esta frase soberba.
A simplicidade da vida tem destas coisas. Desconcertantes
todas elas, é a mais pura verdade.
Mas, as únicas que deveremos sempre perseguir, caso
contrário, nada disto vale coisa nenhuma.
Faço parte de uma Loja maçónica incrível onde eu sou eu.
Onde me recomponho e me refaço para a vida de todos os dias. Onde aprendo, onde
me sinto em casa. Onde estou em paz absoluta no meio de rituais milenares e
cheios de significados eternos e imutáveis.
A 19 de abril do próximo ano, tenho um livreco de 50 textos
para apresentar, inserido nas Comemorações do quinquagésimo aniversário do 25
de abril.
A 9 de Julho de 25, tenho que ter concluído o ‘Compêndio de
poemas e de poetas vieirenses’ inserido nas Comemorações dos 40 anos da
elevação da Vieira a Vila.
Tenho o meu curso de história em Coimbra para acabar, tenho
uma casa para reconstruir. Tenho mais de uma dúzia de bons e autênticos Amigos,
3 filhos do caraças.
Bem vistas as coisas, o que é que um gajo pode desejar mais
nesta vida?
Ah, é verdade, ainda te tenho a ti e à Lígia, evidentemente.
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