Esquecimentos.

 


Um dia, daqui a ano e meio, alguém ou até mesmo a vida, perguntar-vos-á:

“onde estiveste desde 2021?”

“calado, quieto e indiferente” responderão muitos de vós, caso tiverem coragem de a verdade dizer!

A vida sempre detestou indiferentes, por cobardes serem, por calculistas e hipócritas também serem. Por interesses próprios possuírem e privilegiarem sempre aos enormes interesses colectivos.

No primeiro dia das Festas em honra de Nossa Senhora dos Milagres, encontrei um velho amigo encostado ao balcão onde se vendem imperiais.

Naturalmente cumprimentei-o. E, com aquela forma de sarcasmo e humor inteligente que sempre possuiu perguntou-me: “pensava encontrar-te na tua varanda a fazer discursos contra a câmara”.

Sabendo que sempre se tratou de uma pessoa apagadíssima na inversa proporção do sentido de humor que possui, sem nunca se comprometer com rigorosamente nada, só lhe respondi: “não tinha nenhum megafone nem corneta para discursar com eficácia”.

Com a minha idade e com todo o tempo livre que a vida me concedeu, tenho pouca paciência para este tipo de trocadilhos. Ainda por cima, com quem nunca arriscou, um milímetro que fosse, ao tornar publica a sua opinião sobre o que seja e que se enquadre nos interesses de um grupo ou de uma comunidade que é a sua.

Fez-me lembrar o seu Pai, que justificava o seu absoluto silêncio antes do 25 de abril, porque “tinha uma família para sustentar”.

Tem graça, milhões de portugueses também tinham e, nunca se coibiram de manifestar com toda a franqueza e urbanidade a sua opinião.

Dou, de entre muitos vieirenses o exemplo de João Gouveia Pedrosa, cuja memória a Vieira tão maltratou durante décadas.

Não sou seu descendente. Não pertenço à sua família. Era apenas meu tio-avô por afinidade.

Sempre fui educado nesta minha velha casa a respeitar a sua memória, por tudo o que significou toda a sua vida.

Propus contra a corrente e pela segunda vez (já que a primeira tinha sido proposta pela minha tia em 1976) a atribuição do seu nome a uma rua na Vieira. Na altura, vá lá saber-se porquê, foi atribuído por unanimidade uma rua quase inexistente. Com um portão e duas ou três dezenas de metros com um muro. Vergonha! 

Enquanto outras pessoas, há que o dizer, tiveram direito a quase avenidas, como por exemplo o seu filho Álvaro Gouveia Pedrosa, sem qualquer razão aparente e justificativa de tal honrosa homenagem. 

Não fazia parte da comissão de toponímia, mas sugeri dois nomes que ficarão para sempre como memória viva na minha freguesia. Um foi o já mencionado João Gouveia e o outro o de Raúl Brites Quiaios.

Não é por vaidade, nem por qualquer tentativa absurda de cobrança de méritos. Um autarca que faz justiça, faz o que lhe compete. Mas nenhum destes nomes constaria hoje da toponímia vieirense caso eu não os tivesse proposto.

Nunca me furtei a polémicas, por isso não espero nada e mesmo que alguma coisa aconteça após estas revelações, sou completamente indiferente às mesmas. Não me interessam opiniões hipócritas e/ou autojustificativas.

A justiça não se agradece. Faz parte da vida e de todos os que dela tentam fazer o lema da sua caminhada.

Caso, perguntassem ao João Gouveia, onde tinha estado durante os 48 anos de ditadura, provavelmente responderia: “estive dentro de todos eles desde 1933 até à data da minha morte”.

Coisa que todos os indiferentes de hoje, quando se vive em liberdade, não poderão nunca dizer, por exemplo, acerca deste mandato camarário e o que lhe antecedeu.

A vida, como a entendo, é feita de compromissos. E, o maior compromisso de todos é com a coragem de se saber ser e com a liberdade que se defende, acima de todas, mas todas as circunstâncias pelas quais se deva lutar.

Obrigado João Gouveia. Oxalá te arranjem uma rua de jeito para apor o teu sagrado nome. De democrata, de republicano, de homem de livre pensamento e de absoluta coragem.


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