A opinião fica sempre com quem a profere.

No mundo do politicamente correto, essa estranha forma de ser, a preocupação primeira é mesmo a sobrevivência. Estar de bem com Deus e, naturalmente, com o diabo.

A maioria dos chamados 'vencedores' segue esta máxima escrupulosamente.

É triste e lamentável, mas sempre foi essa a tendência de todos os tempos. Das civilizações antigas, passando pelas clássicas, pela idade média, renascimento e até, aqui e ali, pelo iluminismo.

O poder esmagador e castrador que todas as formas de maiorias exercem sobre o povo que as sustenta e mantem..

Ontem, noite de insónia, como tantas e tantas outras, vi, na esperança de adormecer rapidamente um documentário na RTP Play o monumental documentário 'Mentiras, Políticas e Democracia'.

Parecia ser um trabalho pífio, acerca de Trump e dos trumpistas.

Grandioso e importante estudo, foi aquele a que assisti.

Confrontamo-nos constantemente com a necessidade de tomarmos opções. Isto acontece diariamente com todos nós.

Facto aparentemente simples? Pois, mas, na prática, assim não parece ser.

Uns mais que outros, todos vamos pertencendo a grupos. Não necessariamente a partidos políticos ou outra forma mais ou menos elaborada de constituir e ir mantendo grupos com alguns ideais e posturas comuns. Isso atravessa transversalmente a política, a religião, a arte, as preferências musicais, etc.

Nesse documentário, onde se encontra desde os primeiros segundos evidenciado quem é Trump, desde que iniciou a sua vida política, aparecem sinais profundos e brutalmente evidentes de toda a sua essência de homem antidemocrata, racista, primário, mentiroso e monumentalmente narcisista.

Vai entrando pelo Partido Republicano adentro, dizendo mal de todos os seus oponentes de circunstância. Onde é que eu já vi isto?

Esse não é, evidentemente o principal problema. O problema reside nos seus apoiantes de ocasião, assim que as suas fileiras de eleitores vão crescendo a uma avassaladora velocidade.

Existe um episódio na corrida para a nomeação do Partido Republicano onde o ex Presidente dos EUA é confrontado com o Senador Ted Cruz. Homem com uma caminhada sólida e respeitada mesmo entre todos os seus adversários do Partido Democrata.

Foi gratuitamente ofendido, achincalhado, esmagado com um profundo mau gosto e intervenções que roçaram o inadmissível.

Foi ofendida a memória do seu pai, a falta de beleza física da sua mulher, a tentativa de desacreditar a honradez do seu percurso. Enfim, valeu tudo o que de inadmissível é, mesmo nestas coisas da política e da luta cega pelo poder.

O que fez Ted Cruz?

Fez uma declaração delicada e objectiva caracterizando a total falta dos mais elementares princípios básicos que Trump e a sua candidatura tinham evidenciado até à exaustão.

No Congresso de nomeação republicana, o chamado congresso de consagração do candidato vencedor, Ted Cruz tinha direito ao uso da palavra e só tinha três possibilidades:

Ou não comparecia, e, portanto, não discursava. Ou aparecia e fazia dois tipos de discursos: um a aclamar a vitória de Trump e outro a manter a sua posição de absoluta repugnância perante tal candidatura.

Optou, com elevadíssima elegância a não aconselhar o voto no ex presidente americano, sem o vilipendiar, nem tão pouco se referir a ele.

Foi apupado, e enxovalhado pelos histéricos do costume.

Só que, com o tempo, todos os advisors de Cruz o convenceram que caso não se retratasse a sua carreira política tinha chegado ao fim.

Resolve, in extremis, apoiar Trump. E, ai sim, a sua carreira politica tinha acabado de chegar ao fim.

O gosto pelo poder é uma das coisas mais fascinantes da humanidade.

É um bom tema de análise, com a necessária comparação deste fascínio ao longo de toda a história da nossa civilização.

Tudo isto vem a propósito da opinião, que como comecei a dizer fica sempre com quem a profere.

Mas existe!

Ainda mais num país cuja democracia acaba de atingir a maturidade de meio século.

Por vezes pergunto-me, como foi possível que, por exemplo, dois jornais nacionais de referência na oposição ao regime do Estado Novo tenham simplesmente, com a democracia, desaparecido. O Jornal República e a Capital.

O Jornal “O Expresso”, nascido antes do 25 de abril e com uma linha editorial livre e fora das baias que poderiam ter sido determinadas pelos detentores do capital dessa publicação, apesar de, depois de certa altura ter passado a ser um jornal “pesado” e cinzento, nunca deixou que, a ou as, opiniões dos seus cronistas fossem postas de lado. Por isso, ainda hoje por lá se vão lendo, escritores de direita, de esquerda, do centro, etc.

O Jornal ‘O Independente’ foi um semanário de direita. Da direita culta, humanista, inteligente e, pasme-se "revolucionária" para aquele tempo do cavaquismo. Assim como o semanário ‘O Jornal’ que também saía às sextas e era um jornal onde só a esquerda opinava. Grandes jornais os dois. Lia-os a ambos com imensa satisfação. Pois é, morreram os dois com o tempo. Ou com a livre e desassombrada opinião dos seus cronistas.

Pelas nossas bandas temos por exemplo, o maior semanário regional o ‘Região de Leiria’, jornal definitivamente mais lido no distrito. Jornal respeitado, como sempre foi. Atravessou a ditadura, sobreviveu a ela, ao PREC, até hoje. Um jornal de sobreviventes. Há cerca de trinta anos aparece, como uma lufada de ar fresco o semanário ‘Jornal de Leiria’. Interessante mencionar que ambos pertencem a dois grupos empresariais. O que, em boa verdade, deveria permitir um certo arrojo na opinião, neste caso no recrutamento de opinadores.

Mas como me disseram hoje, estas publicações têm uma folha do razão, como se aprendia antes em contabilidade. De um lado está o ‘Deve’ e do outro o ‘Haver’.

É na gestão deste equilíbrio instável, onde a publicidade, as prebendas e os fretes se compram e se vendem constantemente que determinam a vida destas publicações livres e isentas do nosso distrito.

É pena. Mas também, se fossem totalmente livres e descomprometidas com nada nem ninguém, acontecer-lhes-ia algo semelhante ao que aconteceu ao República e à Capital.

Assim, colocam umas coisas de cultura, entrevistas modernaças, notícias originais, fotografia exemplar, opinião cinzenta e lá vão andando ‘pela estrada fora’.

Nestes tempos que são os nossos, a opinião política, é tema tabu e por vezes reveste-se de uma forma assustadora e melindrosa para quem a publica ou deseja publicar. Sempre se pode perder publicidade e  arranjar-se pequenos e evitáveis aborrecimentos com quem tem, temporariamente, o pouco ou quase nenhum poder que uma autarquia contém.

Vale a pena pensar nisto. 

Só que, como sempre, a vida rola e o que hoje parece sólido, seguro e inalterável, amanhã será, como se costuma dizer, cinzas, pó e nada.

É nessas alturas que a memória deve sempre prevalecer. Porque tomar e defender opiniões em tempos difíceis, nunca foi tarefa para todos, como a história sempre demonstrou à exaustão. 

A estas pequenas vergonhas, vão restando as redes sociais. Que, por vezes tão menosprezadas são pelos ditos arautos do jornalismo e da opinião séria. 

Só que, quando um blog, uma página de fb, etc têm para além de uma opinião certa ou errada, mas assumida com factos e argumentos e apresentam em todos os escritos, uma assinatura aposta, pertencem a outros campeonatos. 

Da dignidade e da coragem, digo eu, assim "cos" nervos!

A liberdade de opinião nestes domínios, regista um número de leitores diários e zero de publicidade que a sustente.

Parece tudo um pouco mais puro.

Infelizmente, porque a boa imprensa escrita continua a ser fundamental.


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