Coisas, Momentos e Pessoas.

 


Este é o único relógio que tenho.

Comprei-o em 1999. Chegou ontem, após dois meses da revisão dos “500.000 kms”. Comprei-lhe esta caixinha de presente de boas vindas a casa para estar sempre a funcionar. É que detesto dormir com o relógio e deve (nesta altura da sua vida) continuar a funcionar sempre que não o utilizo. Esta caixa que tem um nome estranho “Automatic Watch Winder”, tanta palavra para dizer “caixa para dar corda a relógios automáticos”, está a cumprir na perfeição o objetivo para o qual foi criada. O meu omegazinho lindo agradece. 

Tenho apenas um relógio, uma caneta, um carro, uma almofada, uma secretária, um candeeiro de pé, uma magnólia, uma praia, um rio, uma ponte. Só não tenho apenas um cão, porque os meus filhos trouxeram para casa uma cadela abandonada com um mês. Horrível, mas eu tive pena dela e, ... estragou-se tudo. Dei-lhe o nome de Líbia. E nada nunca mais ficou como dantes.

Até hoje. 

Caso contrário, só teria o meu Kadhafi. 

De tudo o que realmente gosto muito, possuo apenas um exemplar. Provavelmente será mais correto dizer o contrário – eu não tenho rigorosamente nada – as coisas e os espaços de que gosto é que me têm a mim. Pertenço-lhes.

Pela lista que enumerei até se podem considerar poucos. Haverá ainda, sei lá, mais meia dúzia de lugares e coisas às quais pertencerei até ao fim dos meus dias.

Com as pessoas, as minhas pessoas, passa-se o mesmo. É pouca gente. A minha família e mais meia dúzia de Amigos sem os quais seria insuportavelmente possível viver.

São escolhas, simples opções ou até mesmo caprichos, dirão alguns. Não me interessa. Deixei há muito de considerar importante o que os outros pensam acerca de mim, das minhas coisas e dos meus gostos.

Aconteceu, há bem pouco, um mês, sei lá, que me descobri assim. Indiferente. Aliás, absolutamente indiferente e, em consequência, impermeável às opiniões de terceiros – aqueles que não prezo – ou tenho em relativo conceito. Pouco importante conceito, cumpre dizer.

O meu avô António morreu abruptamente num acidente de automóvel, quando se deslocava para um comício do então candidato presidencial Norton de Matos. Tinha 56 anos. E toda a gente o considerava velho, talvez porque estava de facto, fisicamente bastante envelhecido para os anos que transportava consigo.

Quando o meu pai tinha 56, num almoço, virou-se para as irmãs e disse assim: “tenho a mesma idade que o pai tinha quando morreu. E ainda me sinto tão novo”.

É curioso, porque para mim o meu avô tinha morrido velho. E, eu estou a fazer 55 e, tal como o meu pai, ainda me sinto tão novo.

Posso, devo e desejo fazer ainda muitas coisas. Sinto-me novo e pronto para ajudar a fazer acontecer alguns trabalhos que por cá ficarão, depois de partir não sei bem para onde. Orgulho-me de ser um cidadão comprometido com a comunidade onde sempre vivi. Como todos, de resto, deveriam ser. Comprometidos. E, acima de tudo, desinteressados!

E, sinto-me novo.

Já não tenho é idade para certas coisas. E muito menos para certas pessoas.

Não tenho pachorra nem para a mentira, a presunção, a hipocrisia fina e o breve e conveniente esquecimento.

Só me sento nas mesas onde me quero sentar.

Há muito que não faço fretes. A ninguém.

É a vantagem dos anos que já dobrei, das decepções que já vivi e, claro, das bofetadas que a vida fez o favor de me dar.

Abençoadas.

Todas elas, abençoadas.

Essa é a grande vantagem do tempo. Não aquele que todos os relógios medem. Mas, outro tempo, que nenhum relógio, por melhor que seja será capaz de medir!


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