Praia da Vieira.
Quantas têm sido as vezes em que, ao olhar para trás, nos
vamos deparando que, muitos momentos houve, onde fomos imensamente felizes,
sem sequer ter dado conta?
Esta constatação, com uma mistura de incredulidade, significa
apenas que nos piores momentos ou em alguns tempos prolongados muito mais que o
suficiente, nos absorveram bastante mais que, o efetivamente necessário!
Quando assim acontece, e vai sucedendo sempre com quase
todos nós, significa que querendo ou não, valorizamos mais os nossos momentos
menos felizes, simplesmente porque, ocuparam muito mais tempo a nossa memória.
Quando finalmente tomamos conta desta simples constatação ou
do prolongamento destas circunstâncias, começamos, finalmente a saber viver e
como viver.
O único “aborrecimento” é mesmo porque gostaríamos que este tipo de conclusões tivessem ocorrido bem mais cedo. Porque a vida é sempre breve
demais para que se perca o bem mais precioso de todos – o nosso tempo.
É a maior das dádivas da vida, o tempo, e, logicamente, a
forma com que o fomos, bem ou mal, sabendo aproveitar. Com as pessoas certas e também com as menos certas.
Muita gente existe que quando, finalmente, se apercebe desta
realidade absoluta, costuma azedar. Ou porque tem consciência de que o tempo
futuro é escasso demais para se conseguir uma espécie de “reajuste” com o
passado ou então porque o passado foi mau demais, por simples "culpa própria".
Existem uns antigos acessórios que medem o tempo nas suas três
dimensões em simultâneo: o passado, o presente e o futuro. Expostos todos ao mesmo
tempo com uma clareza desconcertante de tão simples.
São as ampulhetas.
O passado é apresentado pelos pequenos grãos de areia que
já caíram e se encontram por isso na parte inferior. O presente que é magistralmente
mostrado nos pequenos grãos de areia que estão a cair e, finalmente o futuro
que nos resta que mais não é que o conjunto de todos os grãos que se encontram acumulados na parte
superior da ampulheta e nem caíram nem se encontram a cair.
O volume do passado e do futuro são visíveis nas quantidades de grãos já caídos por comparação com o volume de grãos que ainda
não caíram.
Qualquer ampulheta por mais simples ou mais bela que seja
tem estas três virtudes fundamentais de saber reunir num mesmo objeto os três
tempos de qualquer vida.
Escrevo tudo isto no sentido figurado evidentemente. Mas é
um bom começo de conversa sobre o tema principal de todas as vidas - o tempo - e as diversas formas, maiores ou menores de o ter sabido utilizar
e ter decidido, a partir de determinada altura, usar futuramente.
A vida sempre se soube revestir de diversas originalidades
onde vai cabendo de tudo um pouco.
Quando digo vida, quero dizer pessoas, em todas as suas mais
simples e íntimas formas de ser e de estar.
Hoje tive uma tarde tão maravilhosa quanto inesperada.
Estava sol por todos os lados e decidi ir beber um café na minha praia.
Só não me apetecia estar sozinho a ver o mar. Entrei no “Ancora”,
vasculhei todas as mesas e não encontrei ninguém conhecido. Coisa bastante
rara. Decidi vir olhar o mar cá fora e depois regressar a minha casa.
Eis senão quando, vejo o carro de um velho Amigo com quem
já tive bastantes desentendimentos, sendo que a esmagadora maioria deles
completamente evitáveis. A nossa sorte ou o nosso azar é que gostamos um do
outro, como poucos.
Estava a dormir o sono dos justos dentro do carro com ambas as janelas abertas. Talvez para poder respirar a nossa maresia única.
Acordo-o, não acordo?
Limitei-me a dizer baixinho junto à janela: “bom dia”.
Arrependi-me logo, porque o Júlio estava mesmo a dormir o
sono dos justos. Acorda muito lentamente, sorriu e só me diz em voz baixa entra
aí, tenho uma coisa para te mostrar.
Foi uma tarde a conversar calmamente sobre tudo e sobre
nada.
Mesmo o tipo de conversas que adoro ter. Sem guião, sem
rede, sem objetivos.
De tudo e, confesso foi muito o que falamos os dois, retive
uma coisa que de tempos a tempos me atormenta: “como devo educar os meus filhos?”
“para serem justos, honestos, íntegros, inteiros e limpos?” ou “para serem
chicos-espertos, para vencerem neste mundo desigual e triste?”.
Dizia eu: se os puxar para a agora morta “ética republicana”
vão ser comidinhos vivos.
O Júlio com uma pachorra de quem sabe o que a vida lhe
ensinou, só me diz: “deixa os putos, educa-os para a integridade, porque se o
forem nem necessitam que lhes ensines nada”.
Despedimo-nos e vim para casa, não sem antes ter comprado um
petisco que fez as vezes de jantar e quando comecei a subir as escadas da minha
casa, só pensava: “isto sim, foi uma tarde bem passada”.
Conversa solta, profunda e sincera.
Há poucas coisas melhores na vida de um homem que uma
conversa franca com um Amigo, porque vivemos num mundo de gente complicada, mal
formada e invejosa.
É exatamente por isso, que estes pequenos nadas da vida a tornam sublime, porque nos fazem continuar a acreditar, que vale a pena lutar pelo que realmente importa.
Ainda bem que me acordaste. Mais do que me poupando à triste figura, a conversa vádia naquela bela tarde foi uma dádiva da vida. Depois, como te dizia, conservas o dom de bem escrever. É um privilégio ler-te quando o fazes desta forma verdadeira e elegante. O motivo? Um hino à amizade, e isso é o melhor da vida. Abraço
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