Façanhas do ti António Russo.



Como penso ser do conhecimento público, a Biblioteca de Instrução Popular, irá concluir a ‘Colectânea de Contos de José Loureiro Botas” com a edição do Volume II, e prefácio do nosso mais ilustre conterrâneo, Maestro Paulo Lameiro.

Deixo aqui um pequeno excerto de um conto (Façanhas do Ti António Russo) da última edição da BIP, da autoria de outro enorme escritor vieirense, António Vitorino.

Faço-o, porque primorosamente escrito, com elevadíssimo sentido de humor e totalmente atual.


“ … Mas melhor ainda era êle, quando se referia às virtudes dos outros; ou antes: aos defeitos! Era ouvi-lo falar do Luís Goiavado, pessoa pouco respeitadora de objectos alheios:

- Nunca se viu horta mais pequena do que a dêle e nunca houve quem mais couves levasse para casa! – E ria. Depois acrescentava: - É que as terras dos vizinhos produzem muito bem.

E por analogia ia dando maior largueza às apreciações. Não poupava ninguém, fosse alto ou baixo, que nisso sempre o ti António foi bastante atrevido:

- Assim são os da Câmbra, aquela rica gente da Marinha! A Praia é uma horta onde eles vão apanhar os nabos e as alfaces; mas a respeito de esterco e cavar a terra, já não é com eles – porque a horta não lhes pertence. Podem os pescadores trazer na rêde apenas um ou dois montes de sardinha, ou só dois carapaus, que eles não se dispensam de receber quinhão. Os pescadores! Ora! Gente sem importância!...: Mas, se bebem um copo de vinho ou compram uma broa, se mercam um barrete ou novêlo de fio: de tudo, tudo a Câmbra recebe qualquer coisa – porque a Praia está na área do concelho. Mas se lhe disserem que não há um poço, nem uma rua, nem um candeeiro, nem a quem pedir licença, pra fazer uma barraca: nada, enfim, que se diga “isto é terra de gente”, Sua Senhoria encolhe os ombros e responde que a horta não é dela – porque a Praia está ainda no terreno das Matas. Tal e qual o Luís Goivado. Se os vizinhos lhe disserem: “Eh Luís, anda cá a revolver o esterco!” êle responderia: “A horta não é minha!” Só é dêle para apanhar as couves. E a praia também só pertence ao concelho para pagar imposto. Por isso mesmo é que eu lhes vou caçando os coelhos – já que não lhes posso caçar os fígados.

Essas lérias – pois de lérias se tratava eram, por todos ouvidas com bastante agrado; porque pela bôca do ti António Russo falava muita gente. Ou talvez toda a que não era da Câmara nem era da Marinha. Eu suponho que é febras iguais às do ti António Russo que na guerra se fabricam os primeiros batalhadores. Êle lembrava certos homens que, sendo embora boas pessoas, são pela sua conduta, quási sempre maus cidadãos. O trabalho constante, ordeiro e pacífico, como que lhes repugna. Não sabem caminhar com o rebanho, nem aguentam o esforço que se faz, ao subir uma montanha, dando um passo de cada vez.”


Comentários

Mensagens populares