A Política, eu e o meu pai.

 


Enquanto outros, naqueles tempos, se encontravam em casa, rodeados por ‘nesgas’ de fascismo, eu, um puto de 5 ou 6 anos, sempre ouvi em minha casa, que a política era a mais nobre das ocupações, pelo respeito à coisa pública, pelo dever de servir os outros e pela superior obrigação de com os outros nos preocuparmos acima de qualquer outra coisa.

Nunca contei esta história, simplesmente porque nunca me apeteceu. O meu pai era sócio minoritário da Duarte Fétèira, recente fábrica de limas na Vieira por alturas dos anos 70. De entre todos os 10 ou 15 acionistas, o meu pai era administrador com mais dois sócios. Importa dizer que toda esta história se passou durante o PREC. A inflação nos 20%, e a consequente perda de rendimentos reais, revoltas constantes dos trabalhadores por melhores condições, diminuição de exportações, greves, etc.

Todos os ordenados de todos os trabalhadores daquela fábrica foram sempre assumidos por créditos pessoais que o meu pai e a minha avó conseguiam obter do banco através de letras comerciais. Por este exemplo e todos os demais dentro desta senda, que o meu avô António sempre ‘fez acontecer’, até deixar enormes dividas quando morreu. Quase impagáveis. Talvez pelo conhecimento destes antecedentes de ADN, fiz o meu percurso na Biblioteca sem que nada me incomodasse. Sempre considerei essa a minha obrigação. E nunca, por nunca, nessa altura, senti qualquer desaprovação do meu pai, quando hipotequei a minha casa de Lisboa, para saldar dívidas da BIP. Nem dele, nem de ninguém desta casa. Para todos eles, mais não era que uma cruz que tinha de carregar. Daquela vez era eu. Apenas isso.

O ilustre oposicionista e advogado Marinhense, Dr. José Henriques Vareda, atreveu-se a escrever um artigo num jornal local onde destruía ou pretendia destruir a gestão da Duarte Fétèira que nunca, como noutras empresas era frequente, teve ordenados em atraso e sempre manteve a divida com a Segurança Social devidamente negociada.

O meu pai conhecia-o bem. Foram ambos oposicionistas ao anterior regime. Eram amigos.

Só que o meu pai nunca lhe perdoou esse ‘atrevimento’ ao elaborar esse vergonhoso artigo onde o autor tentava fazer comparações com uma fábrica francesa, com problemas totalmente distintos e até com soluções opostas e extremamente prejudiciais para os trabalhadores.

Respondeu-lhe por carta, cuja cópia guardou e que eu há poucos meses li. Com bastante orgulho, diga-se.

Nunca mais lhe estendeu a mão e um dia, passados muitos anos, o Dr. Vareda cruzou-se com o meu pai no passeio perto do Café do Adelino na Vieira, tirou o chapéu e cumprimentou o meu pai cerimoniosamente. O meu pai nem se mexeu, nem nada disse, nem para ele olhou, nem nada. Eu que era um puto e ia com ele, não estava a compreender nada daquela cena de ‘teatro’ e só lhe perguntei: “porque fingiste que não conhecias aquele senhor tão delicado e nada disseste?”. Continuando a olhar apenas para a frente só me disse: “porque sempre o considerei um homem de bem e os homens de bem, pedem desculpa quando erram. Aquele senhor errou comigo e nunca teve coragem de me pedir desculpa”.

Era assim o meu pai.

Bastante diferente de mim. Isso é certo. Só nunca saberei de que lado se encontra a razão. Nele ou em mim. Ou em nenhum de nós, certamente, porque eu sou muito mais flexível no que a ausências de pedidos de desculpas respeita.

Quando esteve a morrer com uma septicémia chamou-me para se despedir e só me disse uma frase: “nunca prejudiques ninguém e faz sempre o bem a todos”. Naquela altura, tinha eu 19 anos, não permitia a ninguém que sequer se apercebesse como estavam as minhas emoções. Só sei que fugia para a garagem em Lisboa, quando vinha do ISEG. Todos os dias, entrava no carro e chorava muito, sempre sem fazer barulho e totalmente sozinho. Aquela coisa, como um dia já descrevi, de as lágrimas caírem umas atrás das outras, sem se  emitir um som que fosse. Chorar assim é muito pior, mas adiante.

Depois entrava em casa “divertidíssimo” e “despreocupado” ao ponto de me dizerem que eu não tinha sentimentos nem emoções atendendo a toda a gravidade do estado de saúde do meu pai, internado no Hospital da Cruz Vermelha e nós sem dinheiro para o conseguir manter por lá.

Tempos difíceis. Nunca houve um dia sequer em que eu não tenha visitado o meu pai. Tudo o resto que poderia contar são coisas íntimas demais para se partilharem com alguém. Muito menos nestes espaços onde toda gente tem acesso a tudo o que se vai publicando.

Passados tantos anos e lembrando-me do meu pai que foi o primeiro Vereador da Vieira eleito por aclamação e unanimidade num plenário que decorreu na BIP, que sempre me pretendeu ensinar que a política era, é e será sempre a melhor das ocupações na vida; eu, finalmente, chego à conclusão brutalmente oposta: esta política, estes políticos, esta corja de víboras, vindas de todos os lados, apenas representam o que de pior a vida tem. Porque sem escrúpulos quase todos, por desconhecimento do significado da ‘rés-pública’ e absoluto desrespeito pelo serviço aos outros.

Quase todos.

Não todos.

Felizmente.

Porque poucas são as exceções a estas infelizes circunstâncias e abomináveis comportamentos.

Este executivo resume-se a nada. A nada digno de menção, a nada digno da chamada competência e a nada no que concerne a preocupações com os outros, sobretudo com os mais desfavorecidos.

Cada terra tem os governantes que merece, diz o povo. Por acaso discordo em absoluto, porque o nosso Concelho merecia muito mais.

Estamos nas mãos de tecnocratas totalmente insensíveis e absolutamente incompetentes.

Estamos sem desígnio, sem projeto, sem missão, sem estratégia, sem futuro. Nas mãos de pessoas vingativas, prepotentes e autistas, porque ninguém ouvem.

Triste Marinha Grande, que merecias tanto mais.

Toda a estratégia do Engº Aurélio Ferreira durante 8 anos seguidos foi diabolizar a política e os políticos. Se atentarmos neste indesmentível facto, vem-nos à memória toda a senda de André Ventura de ódio aos políticos, à política, desprezo pelos mais fracos e a demagogia no seu estado mais puro.

Espero bem que o Partido Socialista da Marinha Grande renasça. E renasça em força.

Não por ser o meu Partido, mas apenas, porque nos tem feito muita falta! A todos.

Desde há muito, como é sabido.

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