“Nunca voltes ao lugar onde foste muito feliz.”
Frase curiosa. Frase ‘feita’ de tantos e tantos anos na boca
de todos nós. Alguns até a repetem sem saber muito bem o que estão a dizer.
Não considero esta forma de pensar particularmente verdadeira
ou falsa. Em primeiro lugar, porque, sinceramente, não me interessa confirmar
ou não a sua veracidade.
É uma frase feita, como milhares de tantas outras. Cai bem em certas conversas, em algumas circunstâncias ou pequenos trechos de todas as peças
de teatro que vão caracterizando a nossa vida de todos os dias.
Tenho diversos exemplos pessoais em como esta frase se
aplica na melhor das perfeições. Assim como também tenho inúmeros exemplos na
minha vida onde nada disto se aplica.
Adiante.
No entanto, porque há sempre um ‘no entanto’ no caminho,
tenho uma experiência bastante curiosa que quero partilhar.
A Biblioteca de Instrução Popular onde passei os melhores e
os piores anos da minha vida. Depois de ter saído, tive muitas dificuldades em
voltar a entrar naquelas portas, naquela imensa casa que me devorou
completamente. Que me fez o mais feliz dos homens e me fez conhecer o absoluto
abandono. A ela tudo devo. Foi a melhor escola por onde alguma vez passei.
Não queria voltar nem sequer para dentro das suas paredes. Todo
este estranho processo durou alguns anos.
Ultimamente, reconciliei-me com a segunda casa da minha
vida. Sim, porque a primeira é mesmo a minha.
Foi-me proposto um projeto altamente desafiante, que
aceitei.
Nunca poderia imaginar o imenso prazer que me ofereceram de
mão beijada. Dei por mim, completamente reconciliado com a Casa mais antiga da
Vieira, que foi minha durante 20 anos seguidos. Onde contei muito mais
felicidades inesquecíveis do que tristezas evitáveis.
Sempre tive saldo positivo com a BIP. A ela devo quase tudo
o que de mais importante conta na vida.
Sempre estarei devedor àquela Casa. Ensinou-me a ser gente.
A honrar compromissos. A lutar por tudo o que sempre pensei ser justo. Muitas
guerras compramos. Simplesmente porque todas foram justas. E, como em quase
todas as guerras justas, todas ou quase todas vencemos.
Fomos enganados por autarcas, por dirigentes, pelo
empreiteiro das obras. Isso faz crescer. Escusa de nos endurecer, lá isso escusa,
mas ajuda a construirmo-nos como pessoas. Melhores pessoas. Mais
preparadas para a vida de todos os dias.
Sempre buscamos a perfeição em tudo o que fizemos. Nunca nos
entregamos nem à mediocridade, nem à mediania e muito menos fizemos fretes a
quem fosse, como tantas e tantas vezes nos foi proposto.
Tivemos ofertas, que posteriormente se transformaram em compras com IVA e tudo (assim figurava na fatura) que tivemos de liquidar. Por lá aprendi de tudo.
De lá tudo retive na memória, porque útil, porque importante
e indispensável.
O meu filho mais velho foi feito sócio um dia antes de
nascer. Vai completar 25 anos de associado em 2023. O António é sócio desde os
5 anos. Falta o João. Nem sei bem porque tive essa distração. Será rapidamente
corrigida.
Este ano a Biblioteca de Instrução Popular completa 90 anos
de atividade ininterrupta. Pela cultura, leitura, pela luta contra o analfabetismo, realização de dezenas de exposições
de pintura e de conferências, ballet, escolas de música, academia de artes, teatro amador, folclore vieirense. Associação mais antiga da Vieira.
O que não deixa de ser curioso, porque para os vieirenses de 1932, a cultura foi a
prioridade que consideraram mais importante. Nunca ninguém aborda esta particularidade, mas durante 15 anos após a fundação da BIP, não houve qualquer outra Agremiação. A nossa terra
era maioritariamente composta por analfabetos. Todos os seus fundadores sabiam
ler e escrever, alguns mais não eram que uns putos universitários, todos tinham
possibilidades económicas para adquirir livros e ir constituindo as suas
bibliotecas pessoais. Contudo, preferiram apostar tudo nos outros. Nos que não
tinham instrução, naqueles que não tinham dinheiro para comprar um livro que
fosse. Esta é, para mim, a verdadeira essência da Biblioteca da Vieira. O seu
espírito solidário e fraterno.
Desejo deixar tudo o que me pediram há poucos meses e me propus deixar feito, devidamente concluído. Só depois disso, entrarei na paz que nunca tive tempo de encontrar com a BIP. Até porque nos anos em que por lá andei, conheci tudo, menos a paz. Sempre andei em guerra. Até comigo mesmo.
É neste contexto que me vejo agora, novamente, associado de
corpo e alma, a esta velha Casa. Foi-me ‘encomendado’ pela Direção a enorme
responsabilidade da reedição dos dois últimos livros de José Loureiro Botas. O
volume II. A única coisa que deixei inacabada.
Ninguém poderá nunca imaginar a felicidade que me ‘ofereceram’
com esta proposta.
Está pronto.
Será a quarta edição da BIP.
O encerrar de um ciclo iniciado
em 2000.
Este Aniversário trará muitas atividades e formas distintas de
o celebrar. Mas essa informação ficará para mais tarde. Quando a Direção o entender tornar publico evidentemente.
Só posso adiantar que, tal como compete a quem celebra 90
anos, deixará imensas saudades a quem quiser participar nestas comemorações da
mais antiga e prestigiadíssima associação da nossa terra.
Concluída esta Celebração de vida, de longevidade e de imenso prestígio, lá irei novamente regressar às minhas coisas, que são imensas, plenas de enorme trabalho, quase todas elas.
Com a Biblioteca de Instrução Popular fico com a certeza da conclusão de um ciclo antigo de dividas totalmente saldadas.
Temos a obrigação de saber sair na hora certa. E a hora certa, para mim, irá acontecer no próximo dia 1º de Dezembro.
Até lá.
Depois, será talvez a primeira vez na minha vida em que cuidarei 'apenas' de mim, dos meus e das minhas coisas.
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