Os Avieiros na SIC

 


"Se o que resta da Cultura Avieira não for recuperada e preservada, desaparece um património único em toda a Europa"

Martim Cabral, hoje no Jornal da Noite SIC

 

Soube há bem pouco tempo que um ex-vereador com o pelouro da cultura, durante uma intervenção numa cerimónia pública de apresentação de um livro proferiu esta enorme ‘piada’. “Nunca, na minha vida li um livro que fosse”. Bem sei que aos políticos cada vez se exige mais que nos digam a verdade (o que foi exatamente o caso), mas, escusando mentir, podem sempre, em nome das tão importantes como significativas aparências, omitir determinadas coisas. Era o que esse vereador deveria ter feito. Lá verdadeiro foi o rapaz, mas, desculpem a linguagem, completamente ridículo.

Há pouco mais de uma hora assistimos no Jornal da Noite da SIC a uma reportagem de Martim Cabral acerca da cultura avieira, a sua história, a sua importância sociológica e cultural.

Não sei se a nossa Vereadora com o pelouro da cultura alguma vez leu um livro. Parto, sinceramente do princípio que, pelos menos alguns deverá com toda a certeza ter lido.

Mas a dúvida não é essa. A questão aqui a saber é se a nossa Vereadora com o Pelouro da Cultura leu os Neo-Realistas, como por exemplo Soeiro Pereira Gomes e, entre muitos outros Alves Redol. Até o nosso José Loureiro Botas, bem como António Vitorino se encontram nessa corrente literária. Duvido que tenha lido algum autor da Vieira.

Quanto às obras do Soeiro, tenho quase a certeza que não. Foi comunista e, para certas pessoas, ainda por cima quando se dizem ‘não políticas’ o comunismo é uma monstruosidade a evitar de todas as formas possíveis. São livros que pertencem sempre ao Index de certas mentes.

Foi a minha tia Helena Branca, lembro-me tão bem dessa cena, á mesa num final de almoço, porque achava que eu lia pouco, foi buscar os ‘Esteiros’ entregou-me e disse assim: “tens de ler este livro. Foi dedicado ‘a todos os homens que nunca foram meninos’”. Nunca me esqueci desse momento. O meu pai falou acerca do livro a minha tia a mesma coisa, porque o inculto e iletrado naquela mesa era mm só eu. Devia ter uns 13 anos mais ou menos.

Claro que li o livro até ao fim. Depois foi-me aconselhado ‘Os Avieiros’ de outro neo-realista, que até tinha vindo fazer uma Conferência na Biblioteca de Instrução Popular, sobre esse livro, nos anos 40. Essa obra era uma espécie de património cultural coletivo das gentes da Praia da Vieira. Também o li até ao fim.

Saiu há bem pouco tempo um livrinho infantil com diversas histórias sobre a população avieira. Lamentavelmente a nossa Câmara não fez dessa obra algo de impactante, divulgando aos miúdos a quem foi dirigida. A nossa Junta, mais uma vez, gastando o que podia conseguiu colocar alguns volumes desse livro em todas as nossas bibliotecas escolares.

São visões diferentes. São opções também elas diferentes. Podia agora enumerar diversas situações semelhantes em que a nossa Câmara adquiria livros em quantidade suficiente para pagar a edição. O autor agradecia. Em muitas ocasiões este método foi o seguido. Por exemplo nas três edições que a Biblioteca de Instrução Popular ‘construiu’ tivemos sempre apoios da Câmara Municipal da Marinha Grande no sentido de nos adquirirem a quantidade de livros e CD’s suficiente para que fosse possível concretizar as edições. E, desta forma prática estavam a comprar ‘produtos locais de qualidade’ para oferta a visitantes do município, empresários e instituições, sim porque a Marinha Grande não se resume a flores de vidro e frascos do vidreiro. Felizmente tem muito mais.

Foi assim, com o volume I da reedição dos dois primeiros livros de José Loureiro Botas. Livro esse com prefacio de Mário Soares, o mesmo se tendo passado com a Coletânea de Contos de António Vitorino com uma capa de um artista plástico da nossa região e com o CD do Rancho Folclórico Peixeiras da Vieira, que foi apresentado na BIP por, nem mais nem menos, que o Maestro António Vitorino d’Almeida.

A primeira Conferência sobre a temática dos Avieiros feita em Portugal foi realizada na BIP a 27/11/1992 que se chamou “No sexagésimo aniversário da BIP: Avieiros/Alves Redol e o gosto autêntico e viril de semear na companhia do povo um país para homens livres”, sob coordenação da Mestre Ana Parracho Brito, com os seguintes conferentes:

Engº António Mota Redol, Mestre António Matias Coelho, Drª Ana Maria Cristina Pires e Professora Doutora Fernanda Delgado Cravidão, Doutora Graça Poças Santos e o jornalista Humberto Vasconcelos.

Muitas são as vezes em que me repito aos miúdos cá em casa acerca da importância de termos a nossa memória intacta. A memória do que fomos e de onde viemos.

Por vezes manter memórias não é um processo fácil, porque foram duras, muito duras, como foram com toda a certeza as memórias do povo Avieiro. Que, todos os invernos, abandonava a sua praia e o seu mar para ir pescar nas margens do Tejo, por uma questão de ‘simples sobrevivência’. Deixaram um legado enorme. De sacrifício, abnegação, fome, miséria e trabalho. Houve crianças que nasceram nos barcos onde viviam.

Por cá pela Vieira, como por lá, em Escaroupim e noutras aldeias avieiras estas memórias são preservadas.

Pelas recentes opções financeiras da nossa Câmara, por exemplo na edição de um livro infantil sobre os avieiros, não tenho, de forma nenhuma, a certeza de que assim é ou até mesmo assim será – o cuidado e atenção na preservação da nossa memória coletiva.

Parece mesmo que tudo o que vem da Vieira, faz mal a certas mentalidades. Incultas, plenas de soberba e ‘grávidas’ de um novo-riquismo avassalador que com bastante frequência é indiretamente proporcional ao seu grau de cultura.


Comentários

  1. Tu no teu melhor.E bom lembrar e acima de tudo não deixar morrer esta cultura vieirense .abraço

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  2. O 25 de Abril só na mente de alguns pseudodemocratas é que nos trouxe liberdade para achincalhar.
    Deu-nos a liberdade para criticar, discordar e apresentar propostas.

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    1. É pena que ainda existam pessoas que não sabem distinguir a palavra 'ironia' ou 'sarcasmo' com a palavra 'achincalhar'. Em tempos houve na Vieira um senhor que andava a ler o dicionário e uma vez disse ao meu pai: "Óh Armando ando a ler um livro dos grandes, já vou na letra D e ainda não percebi nada". Deve ser o caso de Vª Exª
      Rui Teodósio Pedrosa

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