Aniversários
Ontem a minha afilhada fez uma exposição de pintura na BIP. Falou do Pai e falou de mim. Os dois velhos compadres desta foto.
Os meus pais casaram tarde. Com 42 cada um. Viveram sempre
nesta velha casa. Naquela altura eram cinco. A minha avó Guilhermina, as minhas
tias Julieta e Helena Branca e os meus pais.
Digamos que a média de idades não era propriamente baixa.
Agora, por exemplo, para os meus filhos, eram todos bastante
velhos. Velhíssimos mesmo.
As minhas tias não tinham filhos. Era uma casa sem crianças
há muitos e muitos anos. Quando nasceu o Rui (Alberto para mim) Rodrigues para
quase todos vós, foi uma festa. O meu pai foi o padrinho e a minha tia Helena
Branca a madrinha. Chama-se Rui, tal como eu, em memória do marido da minha
tia.
A seguir, pouco depois (nove meses para ser exato) apareço
eu, sem ninguém contar comigo.
Evidentemente que a minha casa se transformou. Logo a seguir
nasceu o Nuno e a casa transformou-se num ápice de um ‘lar de idosos’ para um ‘jardim
infantil’.
Eu até sou um gajo feliz. Grato à vida. Um tipo com sorte.
Mas não posso, de forma nenhuma, achar que alguma vez fui mais feliz do que fui
com eles e outros vizinhos durante os primeiros 10 anos da minha vida.
Para além daqueles quatro ainda tinha a Lígia, que tal como
fez a todos os meus filhos, me mudou as fraldas e cantou canções para
adormecer. No meu caso era uma música do Zeca “Meninos do bairro negro” e ainda
tinha outro meio mais sofisticado de me adormecer que era contar sempre a mesma
história: aquela dos dois irmãos que se perdem na floresta e encontram uma casa
de chocolate, bolachas, rebuçados e outras guloseimas com uma bruxa lá dentro.
Essa forma de adormecer revelava-se muito mais difícil e demorada, porque eu
estava com tanta atenção, que se a Lígia se desviava do guião, eu corrigia
imediatamente. Do tipo, “não é assim. A porta não é de açúcar é de chocolate” e
por aí adiante. Coitada da Lígia. A paciência que sempre teve comigo e agora
com os meus putos. E, ainda havia outra pessoa que foi sempre importantíssima
na minha vida. A mãe da Lígia. Uma espécie de avó. Até porque a minha avó
Guilhermina morreu tinha eu uns 3 anos.
Agora penso nestas coisas, com uma tranquilidade e uma serenidade
absoluta. Nem sempre foi assim.
Momentos houve, no meu passado recente, em que quando passava
por todas estas memórias sentia uma saudade aguda. Aguda de tão dura, de
difícil, extremamente dolorosa porque absolutamente distante, talvez porque me
sentia nesses anos, completamente sozinho. Talvez por isso, não sei.
Foram anos (felizmente poucos) em que não conseguia sair
desse estado de espírito. Agora, olho para trás e só tenho dois desejos. Nada
mais. Que os meus filhos consigam construir um caminho que me orgulhe, pelo
trabalho, competência, dedicação e acima de tudo honestidade e coração puro. O
outro é que a Lígia viva até aos 100, pelo menos, e continue a tratar-nos a
todos como as suas crias. A corrigir, a silenciar (o que é sempre o pior que
nos pode fazer), a ralhar e a dar-nos todo o carinho que só ela nos sabe dar. Elogios,
….. sempre poucos, para não dizer nenhuns. É a maneira que encontrou para não
nos tornarmos vaidosos em demasia quando as coisas nos correm bem demais.
Tudo isto anteontem me passou pela cabeça, porque fiz anos e pela
primeira vez na minha vida ninguém me cantou os parabéns nem soprei nenhuma
vela. Toda a gente se tinha esquecido disso.
Não foi, de todo, um dia menos feliz pela falta desse pormenor.
Até foi um dia feliz. Bastante feliz, diria.
Telefonaram-me as minhas primas de Pombal e a minha
prima São de Peniche.
Numa família grande como era a do meu avô António, há sempre
uma parte com quem, inexplicavelmente criamos, ao longo de gerações, laços mais
fortes do que conseguimos criar com outros tios e primos da mesma família.
Quando nasci, não havia telemóveis nem redes sociais. O meu
pai ia ver-me a Coimbra e o pessoal de Pombal estava na beira da estrada para o
fazer parar só para dizer que era um menino que tinha nascido.
Estas coisas têm um encanto próprio, porque nesta altura, são
difíceis de imaginar. Se fosse agora, o meu pai antes de pegar no carro já
tinha visto a minha fotografia ou no telemóvel ou no computador.
Penso que da maneira antiga tudo tinha mais piada. A
velocidade da vida era outra e o tempo corria bastante mais devagar.
A minha mãe, coitada, já no fim da vida, contava os
telefonemas que lhe faziam no dia do seu aniversário. E, ao fim do dia dizia,
Óh filho, olha que este ano tive 82 telefonemas. Mais 4 que o ano passado. Eu
ouvia, não abria a boca, achava piada, mas ao mesmo tempo pensava a ‘parvoíce’
de contar os telefonemas.
Hoje tive muitos. Não os contei. Mas lembrei-me dela.
Nem sempre gostei de fazer anos. Só depois de me ter habituado
a ser chamado de velhote em quase todas as circunstâncias pelos meus filhos.
Nessa altura, comecei a gostar novamente dos dias do meu aniversário. Conformamo-nos
com a idade e pronto. Também aqueles gajos gozam com tudo o que faço, que já
nada me aborrece nesse aspeto. Telefonou-me uma amiga minha para me dar os parabéns. Tinha feito anos no dia 12. Somos dois
brutos, por isso damo-nos bem e gostamos dos sucessos um do outro. Dizia-me
ela: “detesto fazer anos” e eu respondia “isso passa”. “Mas passa como?” “Quando
os putos não param de nos chamar velhos por tudo e por nada. Habituamo-nos e
siga, pró ano há mais”.
Não entendeu nada do que lhe tentei explicar, mas também o
filho dela deve ser extremamente delicado, por isso ainda vai ter de esperar
até aprender que fazermos mais um ano até é divertido.
Já lá vão 54. Nunca fui de pedir muito em nada na minha vida,
por isso se chegar aos 70 com saúde, posso dizer que tive uma vida cheia.
Uma das formas de atingir a felicidade é pedir pouco ou nada.
O que vier é sempre ganho.
Pró ano vem uma capicua. Tenho de fazer um almoço a uma dúzia
de amigos.
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