Ameixas.

 



Quando tinha os meus 6, 7, oito anos, e a minha tia fazia “arranjos florais” para vender, íamos os dois colher a matéria prima ao pinhal. Por exemplo um dos maiores “fornecedores" era uma zona entre o cruzamento para o Carriço e Monte Redondo.

Eu andava sempre atrás dela sem me calar um segundo, enquanto ela apanhava “barbas de pinheiro” como ela lhes chamava, pequenas ‘hastes’ umas com folhas, outras nem por isso, folhas diversas, musgo por vezes e mais um sem número de “artigos” da flora do nosso pinhal.

Normalmente vinha com as mãos todas sujas, as unhas pretas de mexer na terra. Mas vinha feliz, com uma espécie de sensação de quem tinha colaborado para um trabalho qualquer.

A minha tia HB depois refugiava-se no sótão com a luz a entrar de uma janela do lado direito e trabalhava numa mesa encostada a um depósito de água de mil litros que vinha do poço ali parar para fornecer toda a casa.

Aquilo tinha uma atmosfera única, com uma mistura de cheiros, também ela única. Cheiro a tintas de todas as cores, cheiro a verniz, cheiro a gasolina para limpar os pincéis e o cheiro de tudo o que tinha vindo do pinhal.

Depois vendia os “arranjos” como ela chamava. E, vendia bem.

Tirando a leitura dos jornais, o rádio e alguns programas de televisão (com as notícias incluídas), era assim que passava o seu tempo.

E a educar-me e corrigir-me constantemente.

Ontem lembrei-me de tudo isto, porque voltei ao pinhal, para fazer o mesmo tipo de recolhas. Primeiro conversei com o Secretário de Estado da Agricultura da Vieira, meu bom Amigo Leonel Farto, que me indicou onde arranjar o “rapão” ie terra boa para plantar e mais uns detalhes mais ou menos secretos inerentes à sua função de zelador pela agricultura vieirense nas suas mais diversas formas.

O Leonel é muito meu Amigo, só que, … se eu falho em alguma coisa que me tenha, digamos, ensinado, para não dizer, obrigado a fazer, está tudo, no mínimo estragado com direito a ralhos como se eu tivesse voltado a ter oito anos.

Um dia fomos os dois à feira dos 29 comprar árvores de fruto previamente encomendadas por ele e a meu pedido. Uma ameixeira, um alperce e uma laranjeira do Algarve. Já tinha uma ginjeira pronta a plantar e existia uma magnólia grande.

Tudo vingou, menos a laranjeira.

Este Secretário de Estado gostava particularmente de verificar in loco se as suas “orientações” estavam a ser seguidas.

Escusado será dizer que, quando entrava para jantar ou almoçar no seu restaurante, muitas foram as vezes em que fui recebido como se de um bandido se tratasse, apenas e só por não estar a cumprir com os mais elementares deveres de “jardineiro”.

Ontem perguntei-lhe qual era o melhor pinhal para apanhar “rapão”. Fez-me logo o croqui e, claro era num pinhal dele.

Perguntei-lhe onde arranjar uma enxada mecânica, que a idade a isso obriga. Começou logo aos gritos “nem penses numa coisa dessas. Eu arranjo-te um gajo que leva 5 € /hora, faz tudo como deve ser sem recorrer a mecanizações e vai até à 'raiz' do problema”.

Plantei diversas coisas em vasos novos, limpamos o quintal o melhor que podíamos, queimamos tudo o que havia para queimar, terra vitaminada, vasos novos e, … a varanda ficou irreconhecível, até para os cães, coitados.

Até estou nervoso quando for verificar se fizemos um bom trabalho ou, ... nem por isso. Este gajo é muito exigente!

As únicas vitórias que vou conseguindo são as vitórias da quantidade versus qualidade dos meus frutos.

Eu não sei podar. Nunca perguntei como se fazia e mesmo que tivesse perguntado, distraído como sou, não tinha memorizado rigorosamente nada.

Já o Senhor Secretário de Estado, tem um podador profissional, que adora fazer cortes brutais em todas as árvores e deixar lenha para queimar em quantidades absolutamente exageradas.

Eu, em Janeiro, lá podo a minha ameixeira, com a minha ‘lógica’ destas coisas. Sem saber muito bem se estou a fazer bem ou se, pelo contrário, estou a fazer tudo mal.

Tenho um pequeno ritual com o Leonel todos os anos. A primeira ameixa enorme e vermelha que estiver em melhores condições para ser comida, vou-a oferecer ao Leonel. O 'provador'.

Vamos considerar que o podador profissional do Senhor Secretário de Estado da Agricultura da Vieira  se chama ‘Jordão’, o tal que corta tudo a eito.

.../...

Eu entro no restaurante, assim pelas sete, que é quando não está ninguém e ofereço-lhe a melhor ameixa da minha ‘criação’.

É sempre a mesma coisa: vai buscar uma navalha, encosta-se ao balcão do lado de dentro, descasca e corta um gomo. Saboreia vagarosamente, corta outro gomo e, … depois de o engolir diz assim como quem fala sozinho:

“caral..s f…m o Jordão”.

Isto sim, é uma vitória saborosa que demorou um ano inteiro a atingir.


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