Fracas Ambições.



 

Desde que nasci fui sempre o centro das atenções de todos os que me rodearam dentro do meu círculo mais íntimo. Agora até se diz, presunçosamente, “inner circle”; anglicismos de merda (para quem possui, vive e pensa numa das mais ricas línguas do mundo e não gosta de fazer uso daquilo que sabe desde que aprendeu a falar).

Apesar de todos esses excessos de sistemáticos erros de educação de que fui alvo e que sempre me prejudicaram, nunca fui um tipo ambicioso em demasia.

Cumpre a este propósito mencionar que ser filho, sobrinho e neto de vieirenses notáveis, não é tarefa nada fácil seja para quem for. E, quando falo em ‘notabilidades’, limito-me a poucos, mas essenciais qualificativos. Integridade, solidariedade e coragem.

Pouca coisa nesta pequena aldeola.

Penso que qualquer filho vê no Pai um exemplo, uma meta, por vezes até um enorme desafio. Angustiante desafio, quando é maior que nós e que as nossas capacidades, como sempre foi o meu caso.

Muitas e muitas histórias me foram contadas, como se de uma passagem de testemunho se tratassem todas elas.

Quando era puto, sentia por tudo o que me era contado acerca do meu Avô, que se tratavam de histórias mais antigas do que os tempos. Constatei há pouco que ‘apenas’ me separavam dele15 anos. Sempre, em minha casa, os nossos mortos foram respeitados, como se os tivéssemos conhecido. Foi assim com o meu Avô António, com o meu tio Rui, com o Pai da Lígia, com o João Gouveia, com o meu bisavô Jacinto Teodósio, sei lá mais quantos…  

Penso ser essa a forma mais inteligente de lidar com a vida. Encarando a morte como uma simples ‘passagem’. Nem que seja porque ficaram bem vivos todos os seus melhores exemplos.

Existe alguma coisa mais determinante que os bons exemplos?

Penso, sinceramente que não!

Um dia li por estas bandas uma frase inesquecível escrita para mim e sobre mim sem que tenha existido da parte do autor da mesma qualquer decência em nomear o ‘alvo’ daquela magnífica definição:

“Tristes os egocêntricos que tudo sabem e nada têm para contar, a não ser repetir histórias ouvidas ou afirmar a sua visão da vida deformada pelo preconceito”.

Confesso que quando a li e, obviamente, sabendo quem a escreveu pensei: “enfio a carapuça? Não enfio?”.

Decidi assumir-me como o destinatário de tão simpática qualificação e respondi. De uma forma extremamente fria, verdadeira e até cruel. Dispensei-me de pormenores reveladores da personalidade do seu autor. Exemplos, tristíssimos de quem não se importa com 'certos' preconceitos, como a memória, por exemplo, bem como a clareza de certos actos do dia a dia. E, lá fui escrevinhando esse texto, de uma forma, que só o seu destinatário compreenderia que tinha sido ele a fonte de toda a minha espontânea inspiração.

Não vem este texto a propósito desse ridículo episódio de ‘troca de galhardetes’ nas redes sociais.

Toda esta ‘redacção’ prende-se apenas com a importância das histórias ouvidas como exemplares. Histórias, episódios de vida de outras pessoas que se notabilizaram por se terem limitado a terem sido como eram. Nada mais que isso. Terem sido como eram.

Parece fácil, não parece?

Mas, basta pensar um pouco, para se concluir rapidamente, que nestes tempos que são os nossos, não é rigorosamente nada fácil ser-se como se é.

Falava eu de ambição. Das minhas ambições. Das que tive e da única que consegui alcançar.

É importante, penso eu, termos a exata noção de todas as nossas limitações.

Retirando a Biblioteca de Instrução Popular, não tive rigorosamente mais nada que tivesse desejado.

Agora, depois de tantos anos, concluo que a BIP valeu mais que todos os desejos que tive para mim e não consegui realizar. Até eram poucos. Mas não os atingi.

Atualmente sinto-me ainda mais ambicioso. Desejo apenas uma coisa: ter paz de espírito ao lado da mulher que amo, porque tudo o resto acontece por decorrência lógica e absoluta. Tudo o resto é fácil.

Também já era tempo de chegar até aqui.

Apenas se consegue crescer no sofrimento das coisas difíceis.

Dos tempos duros.

Quanto maior a desesperança, melhor e mais robusto ficam os tempos futuros. Não que nos façam mais insensíveis ou até mesmo mais descrentes. Nada disso. Limitam-se a contribuir para ir fazendo de nós gente. Que conhece, porque viveu o sofrimento dos dias difíceis, dos dias sós, dos dias tristes, porque a vida também é feita de tristeza. Caso assim não fosse, não seria vida!

Todos os que nunca concluíram estas elementares verdades, não estarão prontos para viver a vida em toda a sua paz, plenitude e felicidade absoluta. Só essa gente poderá ganhar, porque simplesmente soube perder, por ter aprendido com a(s) derrota(s).

Cresce-se tanto na derrota, na humilhação, no sofrimento, na amargura, na profunda saudade, que quem trilhou todos e cada um desses percursos, torna-se quase ‘insofrível’.

Todas as minhas ambições que ficaram por cumprir, são poucas, são nadas. Afinal nunca passaram de  detalhes.

Nesta altura, agradeço nem sei a quem, …. O facto de nunca as ter atingido.

Um dos simples mistérios da vida é mesmo este. Agradecer. Por coisa aparentemente pouca. Por coisa nenhuma.

Ter estado na BIP 20 anos, ter 3 filhos maravilhosos, ter a mulher que amo ao meu lado, ter 3 ou quatro Amigos, … são a melhor das recompensas por tudo e mais alguma coisa.

Não desejo mais nada.


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