Biblioteca de Instrução Popular.

 



Estava um fim de dia fabuloso. Domingo. Cheiro a iodo. Um pôr do sol como não existe em mais nenhuma praia do mundo. A ‘confusão’ acerca do mais recente mural mais do que acalmada quando me deparo com uma das maiores canalhices que alguma vez vivenciei.

Todos sabemos, uns por isto, outros por aquilo, que a vida está repleta de canalhas, de gente azeda, profundamente infeliz, cujo único propósito é mesmo viver e ‘delirar’ com as infelicidades dos outros. Quando não o conseguem, lá vão tentando sobreviver com a insinuação torpe, cínica, mentirosa; criando uma realidade que não existe nem nunca existiu.

Há pessoas assim em todas as terras. Sempre as houve. E, bem vistas as coisas, sempre as haverá.

É da vida. E de todas as suas contradições.

Neste caso, ou melhor, em tantos casos, o mais prudente é sempre ignorar e, … fazer um ‘pequeno’ esforço para tentar fingir que não se percebe.

Só que comigo, e eu não me julgo diferente, nem melhor que rigorosamente ninguém, só que … já senti o que significa “perder tudo”. E tudo, ao mesmo tempo. 

Desde aí, fui ficando completamente indiferente ao que possam pensar de mim, das minhas opiniões (tantas certas, tantas erradas), simplesmente, porque não tenho rigorosamente mais nada a perder.

Não deixa de ser, apesar de tudo, uma forma bastante curiosa de se estar na vida. Mas, adiante, porque isso agora também não interessa nada.

Estive na minha Casa de sempre e para sempre, 19 anos seguidos, sofridos, muito sofridos, felizes, muito felizes, desde os meus 26 anos. Um puto. Rodeie-me, de Amigos para toda a vida. Alguns, claro. Porque nestas coisas, há sempre enormes desilusões. Faz parte. A vida é mesmo assim. Aliás, caso não fosse, não teria qualquer graça.

De lá saí esgotado. Cansado. Farto. Completamente farto. Há coisas, tantas coisas, das quais não devemos nunca sair sem terminar tudo aquilo que nos propusemos fazer. No meu caso, nem sequer tive forças, coragem e saúde para as conseguir ter acabado. Consegui, no entanto, ao fim de alguns anos, deixar tudo entregue em boas mãos. Refiro-me, como é óbvio, ao meu irmão, de todas as vidas, Raúl Miranda Parreira e ao enorme Amigo que soube construir ao longo dos anos, Álvaro Botas Letra.

Quem tiver a ‘paciência’ de ler este texto até ao fim, por esta altura, entendeu como óbvio, que esta minha Casa foi, é e será sempre a Biblioteca de Instrução Popular. A ela entreguei o melhor de mim.

A esta Casa dei tudo. Nunca, por nunca me arrependerei de nada. Nem mesmo dos enormes erros de gestão que cometi. E paguei. Porque os cometi. A ninguém devo. Ninguém nada me deve. Quem ficou, ficou. Quem foi continuando um sonho velho, de quase cem anos, ficou.

Só que ontem, num Domingo quase perfeito, houve uma sinistra figura que, como sempre com todas as sinistras figuras, aproveita um detalhe para ‘verrumar’. Neste caso, foi a forma da minha carteira: “tem graça, a tua carteira, faz-me lembrar a do Camilo Barata. Morreu, coitado, com uma mágoa enorme, nunca ninguém na BIP lhe agradeceu os milhares de livros que ofereceu a ´Biblioteca de Instrução Popular”.

O Camilo era meu ‘irmão’.

Iniciou-me na Maçonaria com o Cabrita Franco. Fui jantar com eles ao restaurante ‘O Fausto’. Nem sequer sabia com quem me iria encontrar. Grande jantar, grande conversa. Grandes Homens aqueles. As saudades que tenho desses tempos. É que eu era um puto de vinte e tal anos. O meu Manel ainda estava na barriga da Luizete.

Com eles e outros tanto fui aprendendo. Memoráveis tempos. Tanta ingenuidade que ainda hoje vai teimando em continuar por aqui e por ali dentro do meu coração. Gostava de ser sempre assim, até ao fim. Um pouco ingénuo. Um pouco parvo. Porque se assim não for, é porque entendi que a vida é mesmo uma coisa estranha. E a vida não é uma coisa estranha.

Há é muita gente estranha na vida.

Agora ouvir um ‘personagem’ da minha terra dizer que o Camilo Barata morreu com a falta de um simples agradecimento da nossa Biblioteca revoltou-me. Enojou-me. Indignou-me até á náusea.

Todo este texto tem apenas como propósito, chamar a atenção que há dois meses o Doutor Carlos Villar ofereceu cerca de 4.000 livros de primeiríssima água (como era sua intenção desde 2005).

E, deram entrada na BIP há pouquíssimo tempo.

Ouvi uns lamentos de um Director, que era uma chatice porque já não havia espaço para tanto livro.

É um enorme ‘aborrecimento’ a nossa Biblioteca possuir hoje no seu espólio mais livros, raras colecções e antiguidades só apreciadas por bibliófilos que a Biblioteca Municipal da Marinha Grande. Mas pronto, a falta de espaço é uma chatice.

Toda esta conversa poderia ser tida ao telefone com o Raúl. Por mail. Por conversa de ‘esplanada’.

Já não tenho nem idade e muito menos paciência para isso.

Por vezes basta um ‘obrigado’.

Ou então uma coisa simples, tão simples, como a Direcção propor a atribuição da maior Honra que a velha BIP pode oferecer: O ‘titulo de Sócio Honorário da Biblioteca de Instrução Popular’.

Uma noite numa Festa em Honra de Nossa Senhora dos Milagres, no meio do Largo da República, dei um beijo na testa do Camilo e sussurrei-lhe assim: “Tu, és Sócio Honorário da nossa Biblioteca”.

Pelos vistos não é.

Bem sei, que há certas homenagens que estão reservadas apenas para certas ‘figuras’, que me fazem lembrar sempre aquela passagem bíblica da viúva e do rico a dar esmola no Templo de Salomão. Um exibia as sobras. Já a outra, escondia a mão porque entregava tudo o que tinha.

A falta de memória e de dignidade, muitas vezes, é uma vergonha.

Deus Nosso Senhor me perdoe.


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