Padre Alcides. Enorme exemplo na minha vida - (Parte 1)
Na vida, existem apenas escolhas.
Até Deus nada mais é que uma
delas.
Até Deus.
Nasci e fui educado para fazer
todas as minhas escolhas.
Viver e assumir todas as suas
consequências, como é óbvio. Esta forma de ‘liberdade absoluta’ de se ser e de
se estar, após atingida determinada idade, apesar de ser uma das formas mais
inteligentes de educar seja quem for, não é fácil, para quem, de repente fica
‘só’ com toda a imensidão de diversos horizontes na sua frente. Todos eles
‘escolhíveis’. Nem bons nem maus, porque apetecíveis todos.
De todas as escolhas que temos
na vida, Deus é de entre todas, a escolha mais difícil.
Pelo menos comigo foi assim.
O meu Avô António, tal como eu,
era um homem controverso e extremamente contraditório. Não o digo como crítica
nem com sarcasmo ou piada. Ele era assim. Provavelmente, porque, tal como eu,
não era capaz de ser de outra maneira. Esta forma de ser não é boa nem é má. É
uma, de entre tantas formas de ser. Neste caso, de quem tem dúvidas. De quem
nunca dá um problema como absolutamente resolvido ou até mesmo, uma opinião
como definitiva. Todos os contraditórios são pessoas que continuam pelo tempo
fora a pensar em todas as certezas absolutas que tomaram e, de alguma forma,
não ficaram completamente satisfeitos com as conclusões a que chegaram.
Estas, não são, obviamente,
características nem dos ‘burros’, dogmáticos, ortodoxos e cínicos desta vida.
O meu Avô António era ateu. E,
essa forma de estar, de muitas maneiras, influenciou todos os seus filhos.
Contudo, e como comerciante que
era, tinha diversos fornecedores em muitas zonas do país. Contam-se todas as
vezes que ficou ‘apeado’, porque tinha acabado de perder a camionete ou o
comboio, apenas porque tinha resolvido passar o resto da tarde a visitar o
interior de uma igreja. Com todas as dúvidas que sempre trouxe consigo. Era,
segundo consta, um homem muito tolerante. Extremamente tolerante com esse tipo
de escolhas dos outros. Crentes, não crentes e com todos os chamados crentes
por tradições e hábitos familiares. Ou seja, todos aqueles, que como agora em
quase 90% dos Católicos, mais não são do que o mesmo e o seu contrário.
Um casamento ou um funeral têm
sempre maior ‘pompa’ se a Igreja estiver presente. Porque de resto, para esses,
nada é, porque nada conta.
Já o meu Pai, nunca perdeu nem
camionetes nem comboios. Simplesmente, nunca deu espaço para qualquer dúvida.
Foi sempre assim.
Quando eu tinha 8 anos, na
terceira classe, apareceu um Padre novo na Vieira. Muito novo, muito moderno e
tendo como um dos seus principais suportes de comunicação ‘tecnologia de ponta’
para aquela época.
Resolveu, assim que chegou,
pedir a todos os professores do ensino primário uma manhã por cada turma para
fazer um simples ‘apelo’ a todos os miúdos para se inscreverem na catequese.
A sua arma principal, para além
da vida de Cristo e da sua imensa Fé evidentemente, era uma sucessão de slides
(coisa nunca vista na Vieira em 1976) acompanhados por som e diálogos de fundo
sincronizados com a velocidade da apresentação dos slides.
Os putos ficaram todos
rendidos.
No fim, o Padre Alcides, que
até nisso foi honesto, percebendo como percebeu que tinha arrebatado toda uma
plateia, disse esta frase, que eu, sinceramente, detestei ouvir: “quem quiser
começar na catequese é aos Sábados às 3 da tarde. Mas, (e esta foi a parte que
detestei) têm de pedir aos vossos pais autorização”.
Eu, naquela idade, era
absolutamente obediente e muito educadinho o que me fez sentir ‘obrigado’ a
pedir ao meu Pai essa autorização indispensável. Tinha a certeza que seria um
pedido quase impossível. Mas, lá vou eu, no fim do dia, com a malita às costas
e a bata branca vestida com o meu monograma bordado …. Entro na sua loja, entro
no seu escritório e com uma dificuldade de quem tem uma tonelada às costas,
explico as novas ‘tecnologias do momento’ que o Senhor Padre usava e fiz o
pedido formal de autorização para entrar na catequese.
O meu Pai responde muito amavelmente
que sim, que autorizava. Eu fiquei completamente ‘abasurdido’ com tantas
facilidades e aproveitei, agradeci muito rapidamente, virei costas e fui à
minha vida. Ainda não tinha dado 5 passos quando ouço a voz do Armando Teodósio
a chamar-me para dizer ‘apenas’ isto: “olha, tu podes ir para a catequese. Só
te queria dizer uma coisa: eu, nunca fui e o teu Avô também não!”.
Foi a primeira vez na minha
vida que alguém me manipulou com uma inteligência e mestria tais, que como é
óbvio implicou que nunca tivesse ido, nem por um dia, à catequese.
É que o meu Pai era o meu Pai e
o meu Avô (que nunca conheci) era uma espécie de deus que sempre pairou pela
minha casa – e, de resto, ainda paira.
Nunca pus os pés na catequese,
mas iniciei a minha ‘peregrinação interior’. Assistia a quase todas as Missas,
especialmente aos domingos. Nunca me senti na obrigação de contar em casa ou
pedir para frequentar a igreja.
A minha Mãe era evangélica e
até sentia algum prazer nessa minha nova forma de estar.
Estava-se bem.
Só não ia à catequese porque,
ingenuamente, sentia que era uma forma de falta de respeito ao meu Pai e falta
de respeito à memória do meu Avô.
Como se diz na Vieira,
‘estupidezes’.
Tocava aos sinos (casamentos,
funerais e chamadas) com os meus Amigos João e Vítor Pinheiro – filhos do
Sacristão – que tinha essa incumbência! Foram tempos maravilhosos, até dentro
do relógio da torre entrávamos. Três putos e todo um conjunto de emoções que
agora me parecem completamente indescritíveis.
Chega o dia da primeira Comunhão
em que o ‘pessoal’ da catequese, onde eu deveria andar estava pronto a receber
a hóstia Consagrada.
Esta cerimónia era,
evidentemente, precedida da passagem pelo confessionário. Eu,
descontraidamente, também me fui confessar. Já estava tudo quase no fim, quando
me lembrei: “éh pá, eu não sou baptizado. Digo, não digo? É importante que
diga, não é importante que diga?” Essa decisão foi um martírio, mas
encontrava-me a meio de uma confissão, não podia nem devia mentir nem omitir o
que quer que fosse.
E disse a verdade.
O Padre Alcides ficou dividido.
Já me conhecia. Eu até era um puto que dava luta nas aulas de religião e moral,
estava a ser honesto e ele permaneceu em silêncio ‘longuíssimos’ minutos e no
fim disse: “bem, há muitas formas de baptismo, no teu caso até posso considerar
que já te encontras baptizado. Tens o Baptismo de desejo. É uma forma de
Batismo tão válida como todas as outras.
Podias ir, tranquilamente no
próximo domingo comungar!
Poder podias e até podes, mas
preferia que não fosses. Tens um enorme caminho pela frente. Quando eu concluir
que chegaste ao fim, voltamos a falar sobre o teu Baptismo.
Nesse domingo, ajudei à Missa,
como se dizia na altura, e vi um por um, todos os meus amigos comungarem pela
primeira vez.
Alegria por eles, tristeza por
mim. E, a vida continuou. E, evidentemente, continuou a continuar…
Passam-se uns anitos, com o
Ciclo Preparatório concluído e novamente pergunto ao Padre Alcides se agora já
me podia baptizar. A resposta pronta que me desiludiu foi um simples: “ainda te
falta caminhar muito rapaz. Não tenhas pressa. Quando acabares o nono ano logo
falamos”.
Uma ‘eternidade’ na minha
cabeça. Três anos é imenso tempo para um puto com 11!
Era muito bom aluno, talvez
mesmo o melhor da escola. Era um tipo descontraído, feliz e tão ‘mau’ como os
outros, no comportamento dentro e fora da escola.
O nono ano acabou, tinha
excelentes médias e estava prestes a entrar na Escola Domingos Sequeira em
Leiria.
Voltei a perguntar ao Padre
Alcides se tinha chegado a hora de ser Baptizado.
Nova desilusão!
Desta vez a ‘desculpa’ era que
iria ter aulas de filosofia e, com isso, conviver com diversas formas de
pensamento e de ideologias que poderiam contribuir para abalar toda a minha
“estrutura” de Fé.
Ainda era cedo.
Mais três anos de espera!
Deixei de me aborrecer com as
sucessivas negas do Padre Alcides. Limitei-me a viver a minha adolescência de
uma forma normal e saudável. Construí Amigos para a vida e entrei em Economia
em Lisboa.
Tinha obtido 18 valores a
Filosofia e Sociologia. Gostei muito de ambas as disciplinas e pensava eu ter
concluído a minha caminhada de já alguns anos.
Só que desta vez a minha
‘abordagem’ ao Padre Alcides seria radicalmente diferente de todas as outras.
Fiz o primeiro ano de económicas, fiz o segundo, e, numa sexta feira de inverno
quando ainda nem era noite nem dia, por mero acaso cruzo-me com o Padre Alcides
a descer as escadas da igreja. Eu ia para casa, vindo do café do cinema, ele ia
para casa também. Cumprimentou-me, eu respondi ao cumprimento e segui o meu
caminho. Quando, de repente paro, assim, como quem acaba de ter uma epifania,
volto para trás e disse apenas isto:
“Olhe Senhor Padre eu já tenho
vinte anos, já fiz o ciclo, já fiz o secundário, já fiz o complementar, já tive
dezoitos a Filosofia. Já estou no segundo ano da faculdade, portanto já não lhe
vou fazer qualquer pergunta nem pedido acerca do meu Baptismo. Resta-me apenas
uma coisa breve: ou o Senhor me Batiza amanhã Sábado lá pelas dez da noite, com
quase ninguém na igreja ou, em alternativa, nunca me irá baptizar. Nem o Senhor
nem ninguém! Pense nisso e diga-me alguma coisa dentro de mais ou menos 5
segundos!
Com toda esta minha
‘delicadeza’ o Senhor Padre Alcides responde-me com toda a calma do mundo.
Amanhã, depois de almoço, vens falar comigo, porque quero saber quem são os
Padrinhos. E, já agora, arranja um Padrinho para o Crisma, porque quando um
adulto se baptiza é o mesmo que estar a fazer a confirmação do baptizado que
teve na infância. Por isso além de te baptizar, vou ter o prazer de te Crismar.
Um sacramento concedido apenas por Bispos, mas que no teu caso, posso ser eu,
um simples Padre a fazer.
Até amanhã Rui.
(continua)
Grande texto, como sempre, aliás. Ansiosa para ler a continuação
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