Padre Alcides - (Parte 2)
Naquela manhã, confesso, acordei nervoso. Numa espécie de combinação de quem está bastante ansioso, mas extremamente feliz ao mesmo tempo.
Como sempre foi meu hábito, deixei tudo para o fim. Sempre adorei fazer as coisas desta maneira. Deixar tudo para o último minuto. Para depois resolver tudo num ápice!
Um dia explicaram-me que adorava adrenalina e por isso procedia desta forma. Eu simplesmente ‘funcionava’ desta maneira.
Nunca fui um tipo organizado. Nunca na minha vida tive ou quis ter essa capacidade. Esta opção, estúpida da minha parte, fez e faz com que tudo me desgaste muito mais e ainda por cima sem qualquer necessidade. Mas enfim, é assim que eu sou e se Deus me der vida e saúde, será sempre assim que serei.
Um tipo aparentemente muito desorganizado.
Não contei rigorosamente a ninguém que seria baptizado naquele dia. E, as horas foram passando. O almoço (em família) passou e, da minha parte que sou como alguns chamam “um boca rota”, naquele dia não quis dizer nada a ninguém antes que considerasse ser o tempo certo para dizer fosse o que fosse.
Não me apetecia simplesmente partilhar uma coisa que considerava tão íntima com aqueles, mesmo os meus mais próximos, porque simplesmente sentia, que, de uma forma ou de outra, os poderia magoar.
E lá fui na hora combinada ‘conversar’ com o Padre Alcides. Não me fez qualquer pergunta, não achou qualquer necessidade em ouvir-me em confissão. Perguntou-me quem eram os Padrinhos, ao que, simplesmente, não pude responder, apenas porque não tinha tido tempo de convidar ninguém. Mas, lá lhe disse, que não se preocupasse porque na hora H apareceriam e teriam ‘capacidade certificada’ para serem as minhas testemunhas.
A essa curta reunião, assistiu um grande Amigo da minha família, muito católico, que tinha adorado saber da minha opção. Curiosamente esse Amigo tinha-me filmado a mim, à minha Mãe e ao meu Pai no dia do meu nascimento. Naqueles rolos de filme super 8, ficou registada a cara de pura felicidade do meu Pai e toda a minha ‘feiura’ como dizem os brasileiros. Nasci tão feio, que uma das primeiras visitas que tive disse esta opinião memorável: “ai caredo, ele é tão feio, só parece a filha do Eusébio”. Frase simpática, sem qualquer dúvida.
Pois o Senhor Álvaro Guerra Santos esteve nessa reunião e desapareceu simplesmente. Nem me lembrava mais dele, quando reaparece pelas 22.00h sem ter jantado, com uma máquina de filmar VHS muito moderna para registar aquele momento da minha vida. Mais tarde ofereceu-me a cassete com o filme super 8 seguido do registo VHS com o seguinte título: O menino Rui António nasceu! … O menino Rui António foi baptizado.
Evidentemente que guardo essa cassete a que recorro frequentemente em momentos menos bons da minha vida. É que a imagem do meu Pai a olhar para mim e a dizer (num filme sem som) “É meu. É meu. É meu”, apontando para o seu coração tranquiliza-me sempre. Dá-me uma imensa paz. Como ele sempre me foi capaz de oferecer.
De resto as imagens, já sonorizadas do momento em que estou a ser baptizado “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, foram acompanhadas por um cântico surpreendentemente belo e pleno de imenso significado para “quem renasce”, quem crê e se entrega.
Não estava à espera de nada daquilo. Só ouvi quando estava de cabeça baixa a receber a Água Santa.
Os dois responsáveis por essas emoções inesquecíveis eram nem mais nem menos que o Sebastião (homem humilde, de entre os mais humildes que conheci em toda a minha vida – um Santo, como sempre lhe disse que era) e a D. Maria, que trouxe a toalha para o meu Baptismo, porque nem isso eu sabia que faria falta. Ela aparece com uma toalha de linho bordada a ponto cheio com a seguinte frase “o meu Baptismo”. E, disse-me: “esta toalha ficou esquecida num baptizado qualquer. Lavei-a, passei-a a ferro e disse para mim própria; pode ser que apareça alguém que nem toalha traga”.
Foi o caso!
Como, da minha parte tinha deixado tudo para a última hora, lá pelas 21.00h disse a toda a gente em minha casa. De entre todos, a minha tia Julieta, não reagiu nada bem e pela única vez na minha vida gritou-me “eu não admito isto sem dizer à Mariazinha”. Eu, atrevidote, só disse: “mas a Psia vai ser a minha Madrinha, só que ainda não lhe contei”. A ‘Psia’ como sempre lhe chamei era a minha “avó”, a minha tudo, a mulher mais meiga que alguma vez conheci. E, para além de ser Mãe do meu Padrinho (no registo Civil) foi sempre a mulher que me apresentou a Cristo e a quem recorri sempre, na véspera de um teste ou qualquer outro momento mais ‘difícil’ da minha vida para lhe dizer em segredo enquanto a beijava muito: “Reza por mim” …
Mais ou menos um quarto de hora antes fui chamar a minha Madrinha a casa. É o que faz deixar tudo para a última hora… O meu Padrinho foi o Hugo Laranjo, meu Amigo do peito, que tinha acabado de perder o seu Pai e ainda se encontrava bastante vulnerável, pelo que pensei que o meu Baptizado lhe poderia fazer bem e a minha Madrinha do Crisma foi a Zé, filha da Dª. Maria, que ainda hoje me oferece um folar com 4 ovos e um saquinho de amêndoas!
Em cima da hora, comuniquei também ao meu irmão mais velho destas e doutras andanças, que não apareceu. Até hoje não sei porquê. Ou por ter sido informado na última hora ou por não ter sido ele (como deveria ter sido), o meu Padrinho. Evidentemente que me refiro a um dos meus melhores, maiores e mais antigos Amigos, o “bruto” do Rui Alberto.
Por oposição apareceram por lá duas aves de rapina, que estavam a passar o fim de semana na Vieira, ambos a fazer serão em minha casa e aproveitaram o ‘acontecimento’ apenas para ir ‘cuscar’, nada mais que isso. Fiquei contrariadíssimo e incomodado com a sua presença, mas simplesmente, não devia dizer nem fazer nada. ‘Parecia mal’.
Um baptismo, para mim, mais não é que um ritual de iniciação, tal como na Maçonaria a que pertenço com elevado orgulho e por convite. Nessa altura, a segunda figura em Portugal do GOL pareceu ficar imensamente perturbado com o meu baptismo em adulto. Resta dizer que se tivesse sido um obstáculo nunca bateria três vezes à porta da Loja Gomes Freire de Andrade a Oriente de Leiria e, vendado, quando me perguntaram do outro lado da porta: “quem vem lá?” Nunca teria quem respondesse por mim: “É um homem livre e de bons costumes”.
Contrariamente ao que muitos pensam, ser-se Maçon não é incompatível com ser-se Cristão.
Só para mentes deturpadas pela ignorância e/ou pelo preconceito!
Felizmente nunca fui assim.
Uma vez Cristão, toda a vida Cristão. Uma vez Maçon, toda a vida Maçon.
Após o riquíssimo ritual de iniciação ao Cristianismo na Igreja Católica, naquela abençoada noite, posso tentar alguma piada, após uma breve comemoração familiar que a Lígia, como sempre, consegue fazer, fui para a noite, como sempre em todos os sábados. E, como em todos os sábados, devo ter entrado em casa pelas 4 ou 5 da manhã.
O Álvaro Santos foi a minha casa, para ‘medir a temperatura’ de todos os que a habitavam relativamente aquela opção, que para todos tinha sido uma coisa absolutamente inesperada. Depara-se com uma cara de profunda tristeza do meu Pai, pelo que perguntou: “Óh Armando, estás triste? Por ti ou por ele?”
E, lá está, o meu Pai só lhe disse: “não estou triste por ninguém. Foi a opção dele, foi a opção dele, mas não entendo que uma pessoa que tenha feito todo o percurso do meu filho, após entrar oficialmente na Igreja Católica ou em qualquer outra, esteja agora na Praia, no Rio Mar a beber copos com os amigos, como se nada se tivesse passado. Não sou capaz de entender”.
(continua)
A seguir atentamente. 😁
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