Padre Alcides - (Conclusão)

 



Passados uns meses, aconteceram as melhores eleições presidenciais de que há memória: Mário Soares/Freitas do Amaral.

No início dessa campanha eleitoral, como todos se devem recordar, a candidatura do futuro Presidente da República recolhia apenas 7% nas intenções de voto. Já a candidatura de Freitas do Amaral batia quase nos 46%. Fui a muitos comícios nessas eleições, segui todos os debates, toda a campanha, etc. Eu e quase toda a gente em Portugal.

Pois bem, num Sábado qualquer antes da primeira volta estava no cartório do SPA (i.e. Senhor Padre Alcides) e começamos a discutir, na brincadeira, essas eleições. Cada um de nós sabia, antecipadamente, onde o outro ia votar. Como todas as evidências estavam contra mim (em termos da vitória do meu candidato), e já me estava a irritar toda aquela confiança na vitória na candidatura do Prof. Freitas do Amaral, resolvo propor uma aposta ao Senhor Padre. E sai-me isto da boca: “olhe se está assim tão confiante tem coragem de fazer uma aposta comigo?” ao que o Padre Alcides, a rir, só respondeu: “mas aposto o que tu quiseres, já sei que vou ganhar. Estas apostas é que são boas. Mas apostamos a quê?”

Foi quando eu comecei a ter noção que teria muitas probabilidades de perder e é então que dou uma volta de 180 graus ao prémio que estava a pensar apostar e só digo assim: “olhe apostamos a um almoço, porque assim qualquer um de nós ganha, porque almoçamos os dois.” O Padre Alcides estava naturalmente a divertir-se com a minha ‘ingenuidade ou burrice’ em estar a fazer uma aposta contra todas as probabilidades e só disse: “tá bem. Um arroz de marisco no Coelho”. Apertamos as mãos. Selamos a aposta. Volto para casa, com um estranho pensamento: “já fiz m…..”. A mesada que o meu Pai me dava não era nada de especial. Andava sempre com falta de dinheiro. Mas para ficar tranquilo pensei que, se perdesse, o meu Pai facilmente me daria o suficiente para pagar o almoço, porque, apesar das probabilidades, tinha apostado naquele que era também o seu candidato. E, nestas coisas, o meu Pai era um gajo porreiro. Não tinha sido uma aposta em vão. Convicções são mais importantes que probabilidades. Por isso deixei-me estar tranquilo com o problema do financiamento do almoço, caso tivesse de ser eu a pagar.

Essa campanha foi, de sempre, a melhor campanha eleitoral que existiu neste País. De todos os candidatos da esquerda, todos eram excelentes. Todos, sem qualquer excepção. Naquela altura a política escrevia-se com um P grande. Sendo digno de registar que quase 80 ou 90% dos políticos de todas as áreas do expectro partidário eram de ‘primeira’ água.

Contra todas as probabilidades Mário Soares ganha aos restantes candidatos da esquerda e ‘obriga’ a uma segunda volta. O Prof. Freitas do Amaral só não tinha ganho logo porque lhe faltavam uns 2% para ter ultrapassado os 50 que a Constituição exige.

Foi, como toda a gente sabe, uma campanha absolutamente esgotante e parou completamente o país.

Mário Soares ganhou por 120.000 votos (era o antigo estádio da luz cheio de espectadores). Foi uma ‘tangente’ totalmente inesperada.

Penso que o Padre Alcides nem sequer se lembrava da aposta. Eu, deixei (cruelmente) que se passassem algumas semanas, para que,mesmo que se lembrasse, tivesse pensado que eu nunca iria cobrar o meu ‘arrozinho de marisco’. Enganei-o bem!

Já em plena Primavera, numa manhã de Sábado linda, lá pelo meio dia, entro no Cartório do Padre Alcides (sabia bem que ele estava por lá naquela hora). Peço para entrar, cumprimentamo-nos amavelmente e eu digo assim: “Oh Sr. Padre, já viu? Está uma manhã tão linda. Adoro Sábados destes. Olhe, sabe uma coisa, quando os dias estão assim, o que gosto mesmo é de ir ver o mar”. Nesse instante, como se costuma dizer, caiu a moeda na cabeça do Padre Alcides. Estava sentado à secretária, eu em pé na frente dele, divertido. É nessa altura que ele, com a cabeça baixa a escrever, olha-me por cima dos óculos e deve per pensado ‘este gajo tem uma lata!!! Só cá veio para me cravar o almoço!’.

Eu fiquei calado, apenas para prolongar aquele momento. E digo assim: ‘Prefere em tacho de barro ou numa panela?’

Nessa altura, com a cabeça baixa e a continuar a escrever, só responde, sem sequer me olhar: “no barro”.

E eu, quase a rir, pergunto: “posso telefonar daqui para o restaurante ou tenho de ir a casa?”

“telefona daí, telefona daí”.

No fim do telefonema, digo-lhe que o mínimo são duas doses, ou seja, um tacho enooooooorme. O Padre Alcides levanta-se já com uma cara divertida e só diz “Éh pá não aguentamos com isso tudo sozinhos. Temos de convidar alguém. O que é que achas?” Eu digo à Lígia. E o Padre Alcides: “Tá bem. Eu digo ao Rui Alberto.”

Já estávamos a sair os quatro, quando o Padre Alcides constata que nem a carteira trazia com ele. Vai a correr buscar ‘os meios de pagamento’. Nós os três, divertidos com aquilo tudo. Divertidos e cheios de fome.

Bem, foi um almoço memorável graças aquelas eleições também elas memoráveis.

Comemos e bebemos tão bem que nem devíamos ter voltado de carro para a Vieira.

Passados uns anitos, não muitos, apresentei a minha namorada ao Padre Alcides e disse aos dois ao mesmo tempo: “só este Padre nos poderá casar, porque apenas ele, conhecendo todos os meus defeitos, te poderá dissuadir de casares comigo”. A Luizete resolve armar-se em engraçadinha e responde: “não ligue Senhor Padre, ele é doido”. O Padre Alcides, simpático só lhe responde: “eu sei!”.

E casou-nos na Igreja de São João de Brito em Lisboa passados um ou dois anos.

O Restaurante que os meus sogros escolheram era perto de Sintra e era difícil lá chegar. Aliás nunca mais chegávamos. Devia estar cheio de fome o Padre Alcides quando disse à Lígia, “mas era necessário andar tanto, só para almoçar!”.

Quando me despeço e o vou levar ao carro agradeci muito ter vindo da Vieira só para me casar e concluo “já viu Senhor Padre, entre nós só nos falta um Sagrado Sacramento. Dar-me a extrema Unção”.

“Tem Juízo que já és um homem casado”.

O Manel nasceu já o Padre Alcides não estava na Vieira. E pôs como única condição para Batizar o puto, “na Vieira não. Não quero melindrar ninguém”.

Tive de ir pedir às freiras de Monte Real a igreja ‘emprestada’.

Desejo apenas que daqui a vinte ou trinta anos (já agora), seja o Padre Alcides que suba as escadas da minha casa, entre no meu quarto e me dê a extrema unção. Isso sim seria adormecer em Paz.

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