Pai

 


Sei agora,
como nunca soube,
porque te escondias na sombra,
na penumbra e no vazio.
A sombra que nos enche, nos acaricia e sempre nos acolhe nos seus braços ternos e disponíveis.
Sei agora,
só agora,
sentir e entender a ‘música’ do silêncio.
Aquela música que é a voz da alma, que é tudo, porque só nós a ouvimos e mais ninguém.
Mais ninguém.
São precisos anos,
dores,
desilusões
e amarguras imensas,
para se aprender a gostar da sombra e do silêncio.
É preciso vida.

É preciso vida.

Tivemos,
sei hoje,
juntos,
uma vida breve.
Mas que foi intensa, disso nunca duvidei.
Uma vida breve, com poucas ou quase nenhumas palavras.
Uma vida, feita de silêncios partilhados.
Não há nada mais íntimo entre duas pessoas do que saber partilhar o silêncio.
É uma espécie de oração.
Era assim, que tu e eu falávamos com Deus.
Com os silêncios que inventamos,
que mantivemos sempre e
que cultivamos
até ao teu,
último segundo,
nos meus braços.

Foi assim até ao fim…

Não sei se me lês,
se me ouves,
se me vês,
se me sentes.
Sei apenas que sinto falta dos nossos silêncios
onde tudo dizíamos um ao outro
sem se ouvir
uma palavra que fosse.

Se eu era o Sol,
tu foste sempre a Lua.
Se eu era o Rio
tu foste sempre o Mar.

Penso que nunca,
apesar de tudo,
nos separamos.
Nem na vida,
nem na morte,
nem em, rigorosamente, coisa nenhuma.
Foste sempre,
continuas a ser sempre
o meu ‘caminho’,
a minha última fronteira.

Sempre quis com a minha vida, tocar nem que fosse ao de leve, na tua.

O António é muito parecido contigo.
É um puto reservado, justo, equilibrado e inteligente. Fazemos muitas vezes o caminho que sempre fizemos.
Ir ver o Mar e voltar pelo Rio.
Na maioria das vezes,
tal como nós,
sem uma palavra sequer.
Com uma música, um cigarro, a janela aberta, o cheiro a maresia, como não existe em mais nenhuma praia do mundo e com uma paz tão grande, mas tão grande, que me ‘obriga’ a pensar em ti.
A falta que me tens feito, pá.
A falta que me fazes.
Ficou o Mar, ficou o Rio, ficou a Maresia.
E ficaste tu,
para sempre
gravado nas minhas memórias maiores.

Um beijo,

Rui

Comentários

  1. Bom dia Rui,
    ainda bem que criaste este blog. Li este poema, tal como leio a maioria dos teus textos. A forma como transmites a emoção e expressas o que te vai na alma, é único. Espero que, ao criares este blogue, fique registado todos esses textos e que um dia possam ter o caminho que o Rio faz quando termina no Mar. Recebendo tudo aquilo que a água trouxe. Assim espero que atinjas com este blogue. Cries um histórico que permita, um dia serem compilados numa obra única de textos, através da publicação do " O Livro". E que essa livro possa ser editado pela tua Biblioteca da Vieira de Leiria. Obrigado por me fazeres pensar sempre através dos teus textos. Um Grande Abraço.

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  2. Muito bem! Não é um livro, mas é quase. Lá chegarás, estou certa. Quanto ao texto, é um hino ao teu Pai. É saudade, é amor , é tanto de ti. Tenho uma imensa pena de não sentir quase nada pelo meu pai. Mas sinto em dobro pela Mãe. Beijinho no teu coração.

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