O meu 'Caminho de Santiago' Março/Abril 2018

 


 
Estranho Caminho este, que nos 'abraça' de uma maneira tão forte e tão profunda, que apenas transmite uma realidade, também ela misteriosa. Nunca és tu que percorres o Caminho, ele é que te percorre a ti. Quando chegar a Compostela e ao Cabo Finisterra (o fim do mundo para os espanhóis da idade média), tenho a suave sensação que é aí que tudo começa. De outra forma, com outra rota e outra meta, porque o Caminho de Santiago nunca acaba. Este Caminho nunca terá fim. Renasce e recomeça sempre para cada um de nós!
Uma tarde, na Praça de São Marcos em Veneza, estava a poetisa Sophia com um dos filhos sentados na enorme esplanada. Ela completamente alheia, a beber chá e a fumar cigarro atrás de cigarro, sem demonstrar nenhuma ideia de se levantar da mesa e ir embora. O filho, pequenito estava a mostrar vários sinais de impaciência, quando ela de uma forma terna como só uma mãe sabe dizer: "não te aborreças Miguel, VIAJAR é olhar". Lembrei-me desta história, simplesmente, porque é verdade, pelo menos para os distraídos e todos os que não trazem a pressa na bagagem. Quanto a mim, só faltam 80 km ou seja, comecei a andar mais devagar, para que tudo dure mais tempo.
Tal como na vida, nem todos os 'caminhos' são planos e fáceis. Por vezes, como foi na maior parte do dia de hoje, o que tens e deves percorrer é o caminho das pedras. Cansa muito? Cansa! Mas é a única forma de aprenderes para a vida inteira. Custa, dói, esgota o mais forte, testa os teus limites, mas quando chegas ao fim, tens uma certeza apenas ... nunca mais vais ter medo de 'pedras' nos teus novos caminhos para onde a vida, ela própria, te vai empurrando.
 
"Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.”
Os Lusíadas, Canto III, estrofe 22

Esta estrofe dos Lusíadas foi escrita como um ‘Hino a Portugal e ao Cabo da Roca´, lugar mais ocidental do continente europeu.
No entanto, durante séculos e séculos o Cabo de Finisterra foi considerado tanto pelos espanhóis, como por povos de religiões pagãs ‘o lugar do fim do mundo’ onde se encontrava ‘o fim da terra’.
Estes locais têm sempre um misticismo próprio que, no mínimo, fazem os homens pensar nos porquês das suas existências e no verdadeiro propósito das suas vidas. Elevam-nos a Deus, à luz, e a toda a nossa vida e a forma como a temos sabido viver!


90% do caminho português de S. Tiago é 'feito' por paisagens semelhantes a esta foto que tirei esta manhã. Provavelmente, seria incapaz de caminhar acompanhado. Tinha uma necessidade enorme de ir ao encontro do silêncio, em que só ouves o som dos teus passos, da imensa passarada e das águas dos rios e riachos. É uma 'coisa' sublime. Melhor, só mesmo o som da respiração de um filho bebé a dormir nos nossos braços.

Fiz todo o Caminho de Santiago sem qualquer propósito definido. Não o fiz para pagar qualquer promessa (quem me conhece bem, sabe que essas ‘coisas’ nunca fizeram a minha forma de estar na vida). Não fiz este longo e misterioso Caminho por nenhuma razão. Apenas me fui sentindo cada vez mais obrigado a fazê-lo, a saber senti-lo e a ir ver ‘as terras do fim do mundo’.

Lá chegado, depois de 250 km a pé, a única coisa que senti, como incontornável foi apenas agradecer, envolvido numa paz absoluta!

Mais tarde ou mais cedo, tenho de repetir tudo isto novamente.



Comentários

Mensagens populares