Avô Henrique.
Desde que conheci o Mar da minha mãe, nunca mais precisei de
rigorosamente mais nada na vida.
Tornou-se meu, como dela e dos meus avós já tinha sido. Os
meus avós, gente humilde entre os mais humildes. Gente séria entre os mais sérios.
O meu avô Henrique foi Vereador da Câmara de Alcobaça e um
dos principais responsáveis pela desagregação da Nazaré do Concelho de Alcobaça
para se ter constituído como Concelho autónomo.
Onde é que eu já vi isto?
Era um republicano respeitado.
Quiseram atribuir o seu nome a uma rua. Recusou amavelmente.
Perdeu tudo com uma tempestade em que o mar entrou pela sua Loja adentro situada onde agora existe uma marisqueira em frente ao 'Casalinho' na Praça
principal da Nazaré.
Perdeu tudo o que havia para ser perdido.
Foi trabalhar como guarda livros, assim se dizia na altura,
para Leiria.
Soube de todas estas coisas há muito pouco tempo pelos registos e arquivos da Câmara da Nazaré e num folheto de uma exposição de fotografias do meu tio Zé. E soube-as
com imenso orgulho, porque me senti ‘bem misturado’ dos dois lados. Ter dois
avôs parecidos nos ideais, nos azares e nos costumes. A única diferença é que
um (o da Vieira, era um homem exuberante) e o da Nazaré era um homem recatado e
profundamente religioso.
Mas dizia eu, desde que comecei a conviver com o Mar da
Nazaré fui-me transformando aos poucos. De tal forma que no fim de semana
passado, com um tempo horrível, lá fui com a Helena. Depois de a saber a
dormir, lá vou eu para a varanda ver aquele espetáculo de mar bravo. Ouvir as ondas a bater nas pedras do porto de abrigo. E por lá
fiquei até às quase seis da manhã.
Tenho para mim que o Mar é uma espécie de Deus, porque nos
obriga a pensar naquilo que habitualmente nunca pensamos.
Muito bem me tem feito aquela casa, onde sou feliz e mantenho
toda a minha inquietude, porque o mar a isso nos obriga sempre. O Mar, seja ele
qual for nunca nos devolve certezas. Antes pelo contrário, aumenta-nos todas as
dúvidas.
Já não saberia viver sem aquela varanda.
Só trago uma mágoa, nunca lá ter estado com a minha mãe a
olharmos ambos para o infinito, sentados, com as mãos dadas e sem uma palavra!
A perfeição deve ser uma coisa parecida com isso.
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