O Canto do Melro no Museu Joaquim Correia.

 


Vou-me perdendo facilmente com quase todos os grandes horizontes com que a vida me vai brindando.

Essencialmente com o mar. Esse deus da paz, da tranquilidade e da calma, porque ‘apenas’ isso me sabe transmitir. Mesmo quando muito agitado ou ‘cão’ como se diz na Vieira: “o mar hoje tá cão!”, é sempre a paz que me passa, seja em que estação do ano for.

Ultimamente, tem sido outro o mar que observo. Um mar que nunca será o meu. Isso é certo. Só que tenho tido mais tempo para ele. Fruto das novas circunstâncias da minha vida. Boas circunstâncias, importa dizer.

Nunca me identifiquei com horizontes de curta distância. Esses são sempre algo incompletos e até mesmo bastante depressivos. Um pinhal, uma praça rodeada de casas e lojas, uma casa dentro de muros altos, uma floresta serrada, um cemitério, uma garagem de centro comercial, uma casa ou um escritório com pouca luz ou (pior ainda) apenas com luz artificial.

Tudo isto para dizer que todos os horizontes largos me fascinam e me obrigam sempre ao silêncio e à longa, por vezes bastante longa, contemplação. E, à dúvida permanente. Das perguntas difíceis e eternas, porque quase todas sem resposta fácil e breve. Algumas até, sem qualquer resposta possível. O que não obsta a que não continuemos sempre, pela vida fora, a fazermo-nos as mesmas questões. Sempre sem resposta. Pela vida fora e quase sempre até ao fim.

Contrariamente ao horizonte monumental porque infinito, temos depois os detalhes, que também nos acompanham pela vida fora.

Confesso que adoro alguns. Do(s) comportamento(s) das pessoas então, nem se fala.

Todos temos tiques e pequenos pormenores que nos identificam, porque sempre nos traem. Ou seja, mostram quem realmente somos ou o que de facto fizemos e queremos fazer.

Sou a pessoas mais distraída que conheço. A minha cabeça anda sempre a ‘magicar’ nisto ou naquilo, mas, já o disse diversas vezes, quando estou atento, estou mesmo brutalmente atento. A Helena depois diz que tenho um sentido de percepção invulgar, quando interpreto certos detalhes, que passaram ‘aparentemente’ despercebidos à maioria dos observadores.

Não sei se a análise dela está correta. E, bem vistas as coisas, nem sei nem me interessa.

Não irei alterar uma palha ao meu comportamento, quando estou com elevada e concentrada atenção.

Hoje, na Marinha Grande, estive numa boa tarde. Um bom momento. Assisti, pela segunda vez, ao lançamento do livro da Raquel Varela, sobre a vida do padre José Martins Júnior. Casa cheia, ambiente muito acolhedor. Muita gente conhecida. Estranhei a falta de alguns devotos membros da Santa Madre Igreja. Ou melhor, não estranhei. É mesmo assim. É sempre assim. Quando os revolucionários estão presentes, os reacionários não aparecem. A Opus e o conservadorismo bacoco são assim mesmo.

O padre José Martins Júnior sempre esteve muito à frente do seu tempo. Protagonizou uma revolução em todo o seu ‘rebanho’ na Ribeira Seca. Por isso foi suspenso pelo Vaticano durante 44 anos das suas funções de padre – aquele padre da UDP e mais tarde do PS, que foi Presidente de Câmara durante dois mandatos e mais tarde deputado na Assembleia Regional.

Fazendo referência ao poema de Guerra Junqueiro, “O Melro”, esse pássaro selvagem e totalmente livre, este livro tem por título: “O Canto do Melro”, referindo-se evidentemente à monumental história de vida do padre José Martins Júnior.

Na nossa vida, todos temos ou tivemos momentos em que a natureza resolve brincar connosco. São aquelas coisas que não sabemos explicar. Foi o que aconteceu durante a apresentação desta obra. 

Esvoaçavam dois melros do lado de fora da parede que se encontrava nas costas dos oradores.

Disse isso à Raquel Varela.

Cumpre dizer que a autora adorou saber esse ‘estranho’ e insignificante detalhe.

Grande e muito Belo Detalhe foi aquele durante a tarde toda!


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