O perdão.
“o que é o perdão? quando nos sentimos ofendidos,
sentimos um desgosto ou tristeza que se alimentam a si próprios. de uma forma
muitas vezes inconsciente, isso recupera uma dor ainda mais antiga ou profunda,
que se renova e fermenta no novo desgosto. mas nós não damos conta de nada
disso e apenas nos sentimos magoados com a ofensa mais recente, que para se
manter viva exige que fiquemos semanas, meses, anos, a remoer no mesmo. mas
isso não leva a nada, porque uma dor é como um vício, nunca se cura a si própria.
para desaparecer, é preciso uma vontade genuína de cura. da mesma forma que
ninguém larga uma adição por acaso, para se extinguir, uma dor tem de ser
reconhecida e absolvida conscientemente pelo seu portador. perdão não é deixar
os que nos ofendem em paz, é permitirmo-nos a paz. quem perdoa, não liberta os
outros, liberta-se a si mesmo. o perdão é paz, a nossa paz. e com isso a paz de
todos.”
(julho de 2022)
José Diogo Madeira
Acabei de ler este texto de um colega de faculdade. Velho
amigo de licenciatura e mestrado, jornalista de economia e camarada das lides
da JS em Lisboa.
Sempre escreveu muito bem, sempre pensou ainda melhor.
Sempre gostei dele.
Ainda hoje falei de perdão e da necessidade de perdoar. É
que dou por mim mais velho e com outras prioridades, que há alguns anos não
tinha.
Já todos vão percebendo que sou muito parecido com o feitio
ou personalidade do meu avô António ou mesmo da minha mãe por comparação com o
temperamento do meu pai.
Dele herdei muito pouco. Duas ou três características, nada
mais.
Existe uma frase bastante antiga, com que muita gente que
conheço se escuda e que reza assim: “perdoar é uma coisa, já esquecer é outra.
Eu perdoo tudo, mas esquecer não esqueço nada.” Infeliz frase esta! Quem nunca
esquece uma injustiça, uma ofensa, uma desilusão ou até mesmo uma traição,
nunca se liberta do sofrimento, como escreve acima o Zé Diogo.
O meu pai não era assim. Tinha uma boa dose para perdoar,
sobretudo aqueles que o tinham prejudicado materialmente por exemplo. Isso é
verdade. Agora, aos outros, que de certa forma o ofenderam, cometeram
injustiças graves, foram maus e de baixo caracter. A esses nunca perdoou. Quase
até ao fim. E o meu pai era um homem bom. Só nunca pactuou com injustiças,
gente mesquinha, gente hipócrita. Já para o fim da vida deixou de ser assim.
Tinha aceitado tudo o que a vida, que lhe foi sempre tão dura lhe tinha
reservado. Era um homem, por essa altura, fisicamente muito limitado e o seu
dia mais não era que os ponteiros de um relógio suíço. As suas rotinas eram
impressionantemente cumpridas como se de rituais se tratassem todas elas.
Aceitou a vida como ela era. E, quando achou que já não era útil dizia-me
sempre isto: “mas o que é que eu ando cá a fazer?”. É claro que eu nunca dei
grande importância a isso. Tinha visto
os seus netos que adorava, via-os crescer. Eu estava muito bem nessa altura. Portanto,
nunca dei importância àquelas palavras. Um dia fartou-se e em dois segundos
partiu, não sem antes ter esperado por mim para me olhar em silêncio pela
última vez.
Conto tudo isto, porque a minha mãe que tantas e tantas
vezes foi injustiçada, mal compreendida, explorada por alguns membros da sua
família direta, tudo perdoava, até ao extremo de se esquecer. Simplesmente
porque fazia por isso. Esquecer-se do que a magoou e sobretudo de quem a tinha
magoado. A minha mãe foi sempre assim. Pouco tempo após a morte do meu pai, ela
seguiu-o. Foi o único amor da sua vida. Foi difícil para ambos assumirem a sua
relação publicamente. Mais difícil ainda foi terem casado e ainda mais
complicado foi para ela, coitada, ter entrado numa casa com 3 mulheres, depois
do casamento.
As mulheres são seres fantásticos, porque são especiais. São
diferentes. Diria até muito mais inteligentes que os homens cuja maioria é
composta por pessoas distraídas e muitas vezes perfeccionistas o que apenas
lhes permite fazer uma coisa de cada vez. Não têm o lado prático de nenhuma
mulher.
Um dia numa entrevista, o jornalista Assis Pacheco que era
casado e tinha 4 filhas disse isto quando perguntado pelo mundo das mulheres: “só
consigo chegar à porta. É um mundo só delas, muito diferente do meu.” Eu tal
como o Assis Pacheco sempre tive mulheres por todos os lados, só que, talvez
por ser filho único não sei, tenho por vezes a presunção que não me fico pela
porta e consigo entrar e andar por lá como se conhecesse todos esses meandros
desde sempre. Ilusão minha bem sei. Mas gosto de pensar assim. Nunca me fico
pela porta desse desconhecido e misterioso mundo!
Tudo isto vem a propósito do perdão e da capacidade de
perdoar. Ainda hoje confessava que já me restavam muito poucas pessoas a quem
devia um pedido sincero de desculpas, de perdão, de pedido de esquecimento.
Mais ou menos de há uns anos para cá, talvez quando vim viver
sozinho para esta casa que adoro apesar de estar bastante velha e extremamente
desconfortável, comecei, talvez pela solidão que sentia nessa altura, a ter uma
necessidade inexplicável de pedir perdão a quem de uma forma mais grave ou mais
aguda tinha ofendido no decurso do meu caminho.
E, assim o fui fazendo. Um por um. Fui sempre acolhido com a
maior generosidade por toda a gente. Há poucos meses encontrei na rua um Senhor
que não via há imensos anos, tinha ficado cego e deixado de sair de casa e a
quem eu tinha sido profundamente inconveniente e mal-educado. Ele não me
conheceu. Eu disse quem era, pedi-lhe desculpa e disse-lhe porquê e ele
simplesmente ficou tão feliz que me desconcertou completamente. Esse sentimento
do perdão pedido e aceite com a mesma franqueza traz-nos uma paz enorme. Eu já
tinha pensado ir a casa dele só para isso. Nunca fui. Encontrei-o na Praça,
frente ao café do cinema, dirigi-me a ele e penso que nunca imaginou a
felicidade que me fez sentir.
Há, no entanto, uma coisa, que, tal como a minha mãe nunca
consegui. Perdoar a quem odeia sem razão, a quem é invejoso, mau, que destila
ódio sem razão aparente.
Nesses casos, começa a passar-se comigo uma coisa estranha
que dantes me incomodava muito e agora não me incomoda rigorosamente nada.
É quando certas pessoas se transformaram em coisas, tipo ‘móveis’
que para ali estão e nem reparamos neles. Simplesmente como se não existissem.
A indiferença absoluta. Isso é o pior que pode suceder. Não a nós mas sim aos
outros a eles, porque o absoluto desprezo é sempre o maior dos castigos,
sobretudo quando existiu, em tempos, uma enorme amizade.
Sei do que falo. Infelizmente
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