Taranta.


 

Após 53 anos, e com todas as desilusões que qualquer de nós começa a somar pela vida fora, penso que me restaram, mesmo assim, alguns grandes Amigos.

Um deles e talvez dos mais antigos, porque me atura desde 1976, e, infelizmente para ele, sempre me achou alguma piada e talvez por isso, me vai aturando e ouvindo com uma tranquilidade que, só talvez o meu pai tinha comigo, é o velho Raúl Taranta!

Um dos meus melhores e mais cúmplices Amigos. Sem qualquer dúvida. Hoje, faz anos. Setenta e quatro. Como toda a gente sabe eu sou um tipo completamente distraído, quando estou distraído, evidentemente. Mas nunca me esqueço, nem nunca me esqueci do seu aniversário. Nunca necessitei do Facebook para me lembrar do dia em que nasceu o homem mais teimoso e tolerante que alguma vez fez parte da minha vida.

O Raúl a partir de certa altura, começou a ser um gajo estranho.

Solitário como os lobos. Só que nunca foi lobo. Mas foi sempre solitário. Metido com ele mesmo. De poucas falas.

A mim, nunca me conseguiu enganar, porque tal como acontece com toda a gente, ninguém consegue mentir com os olhos. Porque os olhos são o espelho da alma. Frase feita e talvez pirosa. Isso não sei. Nem me interessa.

Constato apenas.

O Raúl nunca me conseguiu mentir. Mesmo quando mentiu.

Um homem bom, como poucos que fui conhecendo pela vida, um homem simples e um homem inteligente. Daquelas inteligências que aprendem tudo com enorme rapidez e facilidade sem que ninguém lhes ensine coisa nenhuma. Rigorosamente nada. Umas vezes pela observação, outras pela solidão das enormes noites sozinho a tentar desvendar todas as dúvidas, todas as soluções possíveis, todos os problemas.

No entanto, tenho de reconhecer uma coisa, em certos assuntos é um gajo dramático. Por exemplo, há mais de 25 anos sucessivos que o ouço dizer, “o rancho não aguenta pá. Vai acabar!”.

Ao princípio ainda lhe fui dando algum crédito. Depois, ele falava e eu fingia que ouvia. E, naturalmente, o Rancho nunca acabou. Não significa que tenha sido fácil. Isso nunca foi. Só que, como quem sabe estar a confiar a educação de um filho a um velho e bom professor, sempre confiei no sucesso de todo o seu enorme esforço em ‘amparar’ o nosso Rancho e, … nunca o deixar morrer.

É um notívago. Então desde que se reformou, é tipo vampiro. Dorme de dia e vive de noite. Na sua Casa de sempre. Na Biblioteca.

Quando para azar das duas partes, algum de nós telefona ao outro, de noite claro, é sempre a continuação da última conversa. O que, na prática, significa umas três horas consecutivas de paleio sobre a BIP.

Gosto muito do Raúl. Penso que todos os que nos conhecem sabem disso. Gostamos um do outro como alguns irmãos que se dão muito bem não conseguem gostar.

Vivemos muitas emoções juntos. Das boas, muito boas, excelentes, impensáveis, até às piores, mais solitárias e amarguradas.

Vem tudo isto a propósito de hoje ter falado longamente sobre ele.

Vem tudo isto a propósito desta fotografia, em quem confiei, eu e a Luizete, o colo do nosso filho com três ou quatro semanas apenas.

Parabéns velho. Grande abraço. Não digo que tenhas um dia feliz, porque tu, tal como os morcegos só vives de noite. Por isso olha, tem uma noite tranquila dentro do teu mundo, dentro de ti próprio que foi o local que escolheste para te refugiar de quase tudo na vida.

Não sei se foi uma boa opção, isso não sei. Sei apenas que gosto muito de ti pela enorme pessoa que és.


Comentários

  1. Adorei ler o texto.
    Falar sobre o Raul não é fácil.
    Ouvir o Raul falar é como abrir um livro de história sobre a Vieira e a Praia.
    No convívio que tive com ele, ao longo de 10 anos, aprendi muito sobre a Vieira e os Vieirenses.
    Um homem de bom trato, sempre na “sombra”, mas sempre presente e pronto a trabalhar.
    Ainda ontem, que recebi na BIP um casal amigo, esteve presente para lhes mostrar a nossa colectividade e explicar-lhes toda a sua história.
    Parabéns Raul pelo seu aniversário e muito obrigado pela amizade e disponibilidade que sempre demonstrou.
    Um abraço.

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