Alfredo João Gouveia Tomé.
Desde a noite do passado domingo, tenho sentido bastante urgência
em escrever. Escrever, a partir de determinada altura, para mim, começou a ser uma das formas, talvez a mais importante de todas, de dizer o que sinto e o que
vivencio. Serve para mim e para todos os poucos que me vão lendo.
Como toda a pouca gente que frequenta este meu ‘espaço’ já se apercebeu, por
vezes escrevo mágoas e pequenas revoltas, outras, arrependimentos diversos, já em
muitos casos mais não são que breves e profundas memórias e, em alguns outros, tenho
pretendido transmitir momentos de felicidade e profunda gratidão.
Este texto, que senti urgente, é um misto de diversos ‘estados
de alma’.
As nossas avós eram irmãs.
Irmãs de ‘porta com porta’. Com quintais contíguos, onde os
filhos de ambas circulavam num espaço sem fronteiras. Nem porta havia. Era um 'intervalo' de um muro comum.
O meu avô António e o seu cunhado João Gouveia, eram laicos,
ateus, republicanos e profundamente democratas. A acrescentar a tudo isso,
tinham ambos a instrução primária. O que nunca os impediu de conviver com os
grandes do seu tempo. Sempre actualizados com o que de melhor se escrevia e
pensava por essa Europa fora.
Quando morreram, o seu elogio fúnebre foi feito pela mesma
pessoa: Vasco da Gama Fernandes. Um dos maiores da nossa terceira República, tendo
sido o primeiro Presidente da Assembleia da República pós revolução de Abril.
Estes dois cunhados, tiveram, escusado será dizer, um forte
papel na politização da minha terra. Dois homens bons. Dois homens simples.
Uma vez, um dos netos de João Gouveia definia-os desta
forma: eram homens que não tinham nada. Apenas a sua inteligência, honestidade
e uma consciência social completamente fora do comum.
Havia mais na minha terra nesse tempo. Felizmente, ainda
eram alguns. A todos eles se devem tantas coisas, que fastidioso seria, tentar
enumerar todas elas.
Um morreu novo aos 56, já o cunhado viveu muito mais tempo.
Só não foi ainda a tempo de assistir à revolução de Abril.
No entanto, penso que ambos a sonharam, a previram e a
desejaram desesperadamente.
Quando passou a comitiva do Candidato Humberto Delgado nas Várzeas, o 'velho' João Gouveia, dirige-se ao Candidato, abraça-o dizendo: “Salve-nos,
Senhor General”!
A minha terra tem vários baús cheios destes pequenos e significativos
momentos. É a nossa memória colectiva.
Termino esta introdução mencionando um facto por demais
importante no nascimento do Concelho da Marinha.
O vereador na Câmara de Leiria, que foi o principal mentor
da separação do Concelho da Marinha foi, nada mais nada menos, que João Gouveia
Pedrosa. Um nome durante anos esquecido depois do 25 de Abril na minha terra.
Penso, ter sido eu, nos meus primeiros anos como presidente
da nossa velha Biblioteca a tentar recuperar, com toda a justiça, a importância
da sua memória. Pelo menos gosto de pensar assim. O mesmo aconteceu, com a
atribuição do seu nome a uma das ruas da Vieira. Homenagem que tardava e
chocava, quem o conheceu, ou, como sempre foi o meu caso, quem dele sempre ouviu falar
desde criança.
A imagem que escolhi para este breve texto, traz em si um
simbolismo tão forte, tão intenso e tão digno, que me comoveu. Não às lágrimas.
Porque essas correram, todas elas, para dentro de mim mesmo.
Foi, sem qualquer dúvida um dos momentos mais felizes, o 'velho' Alfredo João, Oficial da Marinha, membro do MFA na Guiné. Homem de
liberdade. Profundamente contraditório. O que faz parte integrante da sua
essência como pessoa, sendo que, todas essas, por vezes, enormes contradições
fazem dele aquilo que é. E, de resto sempre foi. Um homem profundamente
inteligente. Culto. Sensível. E, quase sempre desconcertante.
Desde o final da minha adolescência foi para mim sempre uma
espécie de irmão mais velho. Com todas as aproximações e afastamentos, apenas
próprios entre irmãos.
Foi convidado para falar de Abril. Foi convidado para falar
de Abril no local mais sagrado da minha terra, para esse tipo de evocações
terem lugar. Na nossa prestigiadíssima casa, com pergaminhos de luta pela
liberdade e pelo conhecimento e que se encontra a comemorar o seu nonagésimo
Aniversário.
Vim para casa tranquilo. Com aquela felicidade mansa de quem
sente ter acabado de assistir a um desejo antigo. Antigo de anos e anos.
O meu ‘irmão’ Alfredo João Gouveia Tomé, tinha acabado de se
mostrar a todos, tal como eu e muito poucos sabiam qual é a sua mais pura
essência. Sim, porque isto de se ser simples, simpático, porreiro e popular, por
vezes esconde quem somos. E, a esmagadora maioria daqueles que nos julgam com a
facilidade e rapidez de quem gosta de julgar os outros desconhece.
O João abriu o peito, a alma, a memória e mostrou para todos
os que tiveram sensibilidade para isso entender, que afinal nunca passou, de um
dos nossos melhores, mais cultos e mais inteligentes vieirenses da sua geração.
Obrigado João.
Fizeste-me muito feliz, se queres saber!
E, tal como sempre digo, quando alguém de quem gostamos
muito tem um sucesso incontestável e esmagador, ficamos felizes porque
gostamos de ver 'os nossos' felizes também.
Apenas por isso. Porque um pouco da sua felicidade também
cai sobre nós mesmos!
Abraço.
😘
ResponderEliminar👏👏👏
ResponderEliminarDesculpa amigo Rui, não foste o único a ficares feliz com a intervenção do Alfredo João, eu também fiquei contente e com uma enorme felicidade por o termos convidado não poderíamos ter sido mais acertivos, um abraço.
ResponderEliminarObviamente que não fui o 'único' a ficar feliz com a intervenção do A.J. Nem poderia. É raro haver consensualidade seja lá onde for. No contexto referido, não só foi consensual apenas, foi bem para além disso. Porque inteiramente unânime.
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