A Inveja e o Ódio (parte 1)

 




A 12 de janeiro de 2001, há quase 21 anos, comprei o meu carro. Na altura pretendia conforto, segurança e performance. Tinha 33 anos, tinha dinheiro e estava recém-divorciado. Tinha todas as condições reunidas para fazer muitos e enormes disparates! Por acaso a compra do meu VW Golf TDI não foi um deles. Vá lá. Já não foi mau.

Ainda é o meu único e fiel companheiro de estrada, passados todos estes anos. Tem 530.700 Km. De cada vez que vai à revisão o mecânico ralha um bocado por eu ainda não ter comprado um carro novo. Como as minhas iniciais e a data do meu aniversário estão bem patentes na matrícula, não me apetece vender a minha velha máquina que tantas multas de excesso de velocidade me proporcionou no decurso de todos estes anos. E, é sempre com essa desculpa que respondo ao senhor Carlos. Noutro dia até lhe disse que ia pintar o carro. Olhou para mim de uma maneira, que eu acabei imediatamente a conversa, paguei a revisão e ála que se faz tarde.

Os meus filhos nunca me conheceram outro automóvel. E por lá temos sido os quatro bem felizes, se querem saber.

Tal como esta fotografia com poucos anos (2018) retrata bem a nossa alegria quando estamos os 5 juntos. Eu, eles e o carro, obviamente.

Tenho por adquirido que quando uma criança nasce, o seu caracter nem é bom nem é mau. Vem ‘limpo’ como uma tela branca. A educação, as circunstâncias e o processo natural de crescimento duma criança, vão com o decurso do tempo, condicionar ou determinar amplamente a construção do caracter de cada um.

Até há famílias com diversos filhos, todos com a mesma educação e os mesmos princípios de vida, mas todos com características de caracter diferentes. Uns melhores que outros obviamente.

Penso que o bom ou o mau caracter não se herda. Não é genético.

Há momentos centrais na vida de qualquer um de nós, a gravidez da nossa mãe, o parto, as doenças congénitas, as capacidades físicas e intelectuais de cada um, etc, etc.

Dos meus 1359 defeitos, tanto o ódio como a inveja, nunca por nunca estiveram entre eles.

Nunca.

Os exemplos de vida que me foram transmitidos devem ter tido a sua importância evidentemente, mas não foram suficientes para nunca ter tido esses dois defeitos hediondos.

Não é por nada, nunca fui um gajo invejoso e com capacidade de odiar ninguém. Nunca fui. Como qualquer pai, tenho uma secreta esperança que os meus filhos sejam como eu, o avô deles e o avô do pai deles neste particular aspeto.

Podemos em diversos momentos ser ou parecer ingénuos, naifes, acreditarmos com excesso de facilidade em quase toda a gente e em quase tudo o que nos contam. É uma espécie de ‘sina’. É uma ‘cruz’ que se carrega somente por alguns anos. Com a idade vamos ficando com a nossa paciência muito dilatada para a maioria das coisas com que nos vamos deparando, consoante o grau de importância que lhes vamos atribuindo. Já relativamente a outras (poucas e talvez pequenas) coisas e pessoas, a nossa intolerância ou absoluta indiferença aumenta na direta proporção dos anos que vamos somando.

Às vezes dou por mim a pensar nisto.

Tudo o que me irritava ao extremo há uns anos comparando com as pouquíssimas coisas e pessoas que me incomodam agora e que, simplesmente, não tolero. De forma nenhuma.

É da vida. E da nossa sabedoria a envelhecer. Ou da falta dela, quem sabe? E, tal como naquela velha frase: “os homens são como os vinhos. Com os anos, uns azedam, já outros melhoram”.

Muito sinceramente não sei se estou a azedar ou a melhorar com o tempo, porque ainda há muita gente que me irrita muito acima do que deveria irritar e, com isso, vou sentindo cada vez menos paciência. Como se nota em alguns textos que escrevo ao sabor do vento e da minha vontade.

Mesmo com os anos e a sua velocidade vertiginosa, invejoso e odiento nunca fui. Convivi desde criança com a inveja de muita gente. Isso é verdade. A uns fiz vista grossa, a outros nem me apercebi e a todos fui fazendo por esquecer. Simplesmente porque brincar e crescer a brincar rodeado de tanta gente era para mim o mais importante e o mais divertido.

Tantos brinquedos me foram, digamos, ‘subtraídos’. De cada vez que contava os meus carrinhos e verificava que o seu número ia diminuindo nada dizia. Nunca disse rigorosamente nada.

Continuei pela vida fora a ser aquilo que muitos apelidam de burro. Fiz-me tanta vez de burro na vida, que lhe perdi a conta.

Talvez porque nas últimas semanas eu e os meus rapazes temos estado todos juntos tanto tempo seguido, como há muitos anos não sucedia, lá me vou lembrando sempre de certas coisas cá de casa e de quem nela viveu antes deles aparecerem.

Nunca lhes conto os meus exemplos. Nem bons nem maus. Isso, eles têm obrigação de observar, validar, calar ou criticar sozinhos. Vou dando os exemplos de vida dos meus pais, das minhas tias e do meu avô António. E vou concluindo sempre que todos nós temos sido pela vida fora uma espécie de burros em vias de extinção. E, bem lá no fundo, desejo que os meus putos também sejam assim, no que ao ódio e à inveja disser respeito. Para não falar de outras (poucas) características que considero fundamentais.

Nunca eduquei os meus filhos com base numa folha de excel. O que se proporciona a um não tem necessariamente de se dar a outro.

Era o que mais faltava!

Mas há muitas famílias cuja presença de uma folha de cálculo é totalmente imprescindível no processo de educação dos seus filhos. Isto com o argumento de ninguém poder dizer que ficou prejudicado em relação a qualquer outro irmão.

Detesto essa forma de educar. Mas isso sou eu. E claro, não significa que esteja certo.

Há uma semana ou duas, o Paulo do Gaz e a Celina passaram por nós no seu carro novo. Um BMW lindo. Uma máquina brutal. Como somos Amigos, cumprimentamo-nos. Eles passaram e eu só disse aos miúdos: “grande carro. Que o gozem bem, porque o merecem”. E nem disse isto por serem meus amigos ou pelo carro em si. Disse isto aos meus filhos, simplesmente porque é verdade. E era o que estava a sentir naquele momento.

Quando ontem me deparei com comportamentos de inveja absoluta e de ódio completamente descontrolado em relação a mim, chamei os meus putos para testemunharem o contrário daquilo que lhes desejo sejam pela vida fora.

Dei-me mais tarde ao trabalho de ir procurar os significados de tão execráveis e desprezíveis sentimentos.

 

ódio (do latim odiu), também chamado de execraçãoraivarancor e ira, é um sentimento intenso de raiva e aversão. Traduz-se na forma de antipatia, aversão, desgostorancor, inimizade ou repulsa contra uma pessoa ou algo, assim como o desejo de evitar, limitar ou destruir o seu objetivo. O ódio pode se basear no medo, justificado ou não.

 

Inveja ou invídia, é um sentimento de angústia, ou mesmo raiva, perante o que o outro tem. Este sentimento pode gerar o desejo de ter exatamente o que o outro tem (tanto coisas materiais como qualidades inerentes ao ser), sendo isso uma possível consequência da inveja e não a inveja em si, podendo essa ter outras demais consequências ou não. Esse sentimento é comum na espécie humana.

A inveja pode ser definida como o sentimento de frustração e rancor gerado perante uma vontade não realizada de possuir os atributos ou qualidades de um outro ser, pois aquele que deseja tais virtudes é incapaz de alcançá-la, seja pela incompetência e limitação física, seja pela intelectual.

Nada desta conversa se poderá legendar como um conjunto de chavões de circunstância ou manifestações de ‘triste narcisismo’, como alguém há poucos meses me apelidou.

Todo este texto, feliz ou infelizmente, é verdadeiro e claro.

E pelas razões que escreverei a seguir, absolutamente lamentável!


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