Um homem integro e a política. Estranha e raríssima combinação!




Conhecemo-nos há mais de quarenta anos. Não foi a política ou mesmo o PS, que nos ajudou um ao outro a aproximarmo-nos. Já foi há tantos anos que, sinceramente, não me lembro.
Restam-me, como memórias mais antigas, estarmos os dois à espera da meia noite, quando começava oficialmente a campanha eleitoral, para começarmos a colar cartazes desenfreadamente. Ele com o seu Citroen 2 cavalos amarelo. Eu tomava conta do balde de cola e o Raúl escolhia os locais mais importantes para colarmos os poucos cartazes que nos eram disponibilizados pela Concelhia da Marinha Grande.
O nosso limite era Carvide com passagem obrigatória pela praia da Vieira, Vieira, Passagem e Casal d’Anja.
Bons tempos. Ainda havia Sessões de Esclarecimento nessa altura. E, pasme-se, também havia eleitores que alteravam o sentido de voto depois de assistir a uma Sessão, fosse de que partido fosse! Era assim naquele tempo, muito, mas muito mais genuíno do que nos nossos dias. Os políticos eram os ‘homens bons’ de cada terra e de cada partido.
Neste tempo já o Paulo, um puto de vinte anos tinha passado pela Direcção do IDV, achou aquilo um pouco ‘desorganizado’ para o seu feitio e atravessou a estrada, entrando na Direcção da BIP, sempre como segunda figura. Detestava expor-se. Durante alguns anos andou por lá, e, penso agora, terá sido razoavelmente feliz.
Filho mais novo de uma família grande, teve no pai um exemplo de honestidade e de trabalho e na mãe todo o carinho do mundo que foi capaz de lhe dar.
Mulher simples, sincera, doce e extremamente trabalhadora. A D. Francisca! Educou todos os seus filhos e alguns filhos de outras pessoas que durante o dia por estarem a trabalhar, não podiam contribuir para a orientação dos seus próprios filhos.
Tempos difíceis esses em que a família do Paulo, mais não era que outra, entre muitas, famílias pobres, porque nem ‘remediados’ como se dizia nessa altura, o foram.
Quase tudo, para os cinco miúdos foi difícil de ter. Tudo. Há alguns outros por ai, que fazem uma espécie de ‘galhardete de pobreza familiar’, por um lado para se verem livres de um complexo completamente ridículo, por outro, para dar nas vistas porque subiram o elevador social com os maiores méritos deste mundo.
Do Paulo não. Nunca vi essa espécie de espetáculo, tipo concurso para ver quem tinha sido mais pobre que quem!
Este rapaz só dava nas vistas pela sua alegria e extrema competência profissional e política. Nunca o vi em bicos dos pés ou a engraxar, fosse quem fosse para obter lugares ou prebendas. O Paulo é dos poucos que não deve exclusivamente nada a ninguém, sendo, no entanto de registar, que tantos, mas tantos lhe devem alguma coisa a ele. Alguns, a maioria talvez, que o vai mantendo à distância, porque são e serão pessoas que nunca agradecem nada. Estão muito acima dessas coisas pequenas que, em tempos de necessidades, foram grandes. Enfim. 
Eu ainda sou daqueles que se lembra das campanhas muito disputadas entre o nosso PS e a CDU. Estava a D. Fernanda Teodósio, que sempre respeitamos imenso, no seu pleno esplendor. Era muito difícil ganhar ao Partido Comunista nesse tempo, tendo nós perdido 3 eleições seguidas.
O meu pai estava para o PS da Vieira, como o velhote republicano e anti-fascista da época. E, talvez por isso, foi abordar o Jacinto do Banco (futuro presidente da Junta), mas que nessa altura não acedeu, nem coisa que se parecesse. Os dias e os anos foram correndo, a vida do Jacinto obviamente que também. E, eis senão quando, vai uma pequena embaixada do Partido Socialista da Vieira perguntar ao Jacinto se aceitava. O Jacinto, homem justo e simples, só lhes respondeu assim: “mas então e agora, o que é que eu vou dizer ao Armando Teodósio?”.
O Paulo foi escolhido por unanimidade para Secretário da Junta, o que em bom e curto português significava ser o nº dois do Presidente.
Continuou a sua carreira profissional até atingir o topo e por vezes com a responsabilidade de ir dar formação a outras escolas.
Este homem, que recusou entrar na Maçonaria, que prega principalmente, os valores da (Rés)pública, da modéstia e do rigor quando se gere a coisa pública. Se havia e há um verdadeiro maçon, era e é o Paulo Vicente. Ainda hoje o tenho dito vezes sem conta. Mas, estava eu a dizer, este homem nunca quis rigorosamente nada da política, apesar de muitos considerem que não tivesse sido assim. Mas foi.
Quando o Jacinto Filipe sai de cena, com honra e pelo seu próprio pé, surge a natural inquietação com o “e agora?”. Posso assegurar a todos, que deu muita luta a convencer o rapaz. Nós, simplesmente não tínhamos um candidato tão bom e altamente conhecedor de todos os meandros de uma Junta. Simplesmente não tínhamos absolutamente mais ninguém e portanto, nem ele próprio tinha alternativa a si mesmo.
E por lá permanecemos ele presidente eu o doido que dava sempre o peito às balas com todos os exageros que me são reconhecidos.
A história veio a repetir-se mais tarde quando é convidado para número dois nas listas da Câmara. Lá volta o rapaz a 'espernear', a dar luta tendo ficado contrariadíssimo, mas, lá vai ele com o sentimento do dever cumprido na Junta da Vieira.
O PS ganha a Câmara e ainda não existiam estes palhacitos de circo dos independentes, que de independentes nada têm e conseguem atrasar muita coisa, porque votam 99% das questões de uma forma negativa. E, com os comunistas é o que sempre foi. Tática, estratégia, objetivos zero, a não ser tentar corroer o PS por dentro, e nada mais. Foi sempre assim e, naturalmente, voltou a ser e irá voltar. Eles não sabem ser de outra maneira simplesmente.
O Paulo era nesta altura Vice Presidente da Câmara. Tinha outro estatuto, outra importância, muitas invejas em cima e trabalhava como nunca, mantendo sempre a sua obsessiva organização e a sua permanente boa-disposição. Nessa altura, almoçávamos todos os dias no mesmo restaurante e quase sempre na mesma mesa. Uma vez o dono com quem mantínhamos uma boa relação disse-lhe: "Você tem de ser bem tratado aqui, senão qualquer dia deixa-nos" a resposta pronta do Senhor Vice Presidente da Autarquia: "não se preocupe, que nós somos como os cães vadios, vamos ficando sempre onde somos bem tratados".
Estive zangado com ele uns dois anos, o que para mim foi muito penoso, porque ele era dos poucos verdadeiros amigos que tinha e bastava-lhe na altura ter-me feito um simples telefonema que nunca fez. Nunca, até hoje, entendi porquê. Esses anos azedaram-me um pouco e, simplesmente, deixei de lhe falar, o que para dois grandes amigos mais não é que o início de um processo de sofrimento enorme.
Já lá vai, porque na Vida como na Amizade, tudo o que é verdade, nunca acaba. São os ciclos, são os tempos, sei lá. Apenas sinto que quando as 'coisas' são verdadeiras voltam. E a nossa Amizade para além de velha, é grande. Muito grande mesmo!


Esperei até ao fim, pelo conhecimento das pessoas que faziam parte das listas do PS da Vieira (onde milito desde que me reconheço como pessoa) e confirmei: O Paulo não estava por lá! Nem por qualquer outro lado.

Saiu pela porta maior - a da Presidência da Câmara", um homem que se limitou a servir a república, tendo feito um percurso muito bonito, sempre ascendente até ao cume da montanha, sem nunca ter pisado ninguém. Repito: ninguém!
Há muito poucos assim, e eu, que já vou indo para velho, estes parcos exemplos fazem-me bem, melhor ainda quando de verdadeiros amigos se trata. A maioria não pode dizer uma coisa destas, simples, mas absolutamente invulgar. É pois, nestes muito poucos exemplos, que ainda vou acreditando como sempre, no que me foi ensinado pelo meu pai e pela minha tia: “a política é a melhor coisa do mundo. De entre todas, a mais nobre ocupação que se deve ter, nem que seja por um dia. Porque, nessa altura, tivemos, nem que seja por um dia, a noção do que é servir os outros”
Obrigado Paulo, não apenas por seres quem és, mas por teres feito esse percurso, claro, verdadeiro, honrado e digno.

Forte, muito forte abraço. E vive agora tudo o que ainda não viveste por estares durante 30 e tal anos a servir os outros com rara competência e muita dignidade.

Comentários

  1. Ao ler este texto pensei que tinha morrido pois é um tipo de prosa que se utiliza na despedida de alguém ou a título póstumo ...
    mas enfim...
    Sou apenas aquilo que sou, com muito orgulho, vindo de onde vim , ter feito o que fiz , ter saído dos sítios em que fui feliz, sempre pelo meu pé e sempre de cabeça levantada, mais que reconhecimentos ou palavras bonitas, isso me basta.
    Abraço amigo
    Paulo Vicente

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  2. Queria fazer uma vénia, mas aqui não dá! Imagina-a! ou melhor, imaginem-na!

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