A minha Casa e o Natal

 


(Texto de 14 de Dezembro de 2019)    




Já muitos Natais passaram por mim.
Ou eu por eles. Não interessa muito a ordem das palavras ou dos seus sentidos. Interessa, que já foram muitos.
Uns inesquecíveis, quando era puto e só via os presentes em cima do fogão na manhã de 25 e depois passava as tardes inteiras a brincar com os novos brinquedos mais o Rui Alberto numa sala cheia de gente. Uma sala quente, confortável. E nós, a empurrar deitados ou sentados no chão … os carrinhos pequenos e novinhos, para aqui e para ali, construindo ‘histórias’ sem fim ou a jogar as últimas novidades que me tinham oferecido. A mim ou a ele. Por vezes aparecia, todo despenteado o Nuno (já naquela altura, um outsider – que aparecia e desaparecia de cena constantemente, como se fosse um mágico - ).
Eu e o meu ‘irmão mais velho’ Rui Alberto sempre fomos um bocado mais sossegados. Enfim. Depois, com o andar dos tempos, o sossego ficou só para ele, já que eu, pelos anos que levo, fui ficando cada vez mais parecido com o mágico. Inconsequente, imprevisível e ‘meio aparecido e desaparecido' – conforme as circunstâncias ou até mesmo as ‘pancadas do momento’.
Ainda quando não passava de uma criança de uns cinco, seis anos, houve em minha casa um Natal, para mim, absolutamente inesquecível.
O meu Avô António teve quatro filhos. O mais velho e, provavelmente, de todos os filhos que teve, era e foi o mais parecido com ele em termos físicos e emocionais. Também se chamava António (nome sagrado e dos mais belos para mim, tendo em conta estes dois homens que o usaram e foram incrivelmente sublimes na vida que resolveram ter, com o nome que lhes tinha calhado). Por tudo isso e muito mais ainda, ofereci esse nome a um dos meus filhos.
…/…
Quando tirei a carta de condução em Lisboa havia umas duas ou três aulas práticas (que, de resto, foram as únicas que frequentei) e que implicavam conduzir na auto estrada. Naquele tempo, só existia a A1 com 46 Km. Nada mais!
Na primeira aula, fui até Periscoxe (Santa Iria da Azóia). Paramos o carro e fomos beber um café, eu e o instrutor. Como estávamos muito perto de Santa Iria, perguntei ao dono do café se tinha conhecido um Senhor chamado António Pedrosa de Vieira de Leiria…
Nunca me esquecerei nem da cara, nem dos olhos brilhantes a esconder umas lágrimas que estavam a querer sair, sem que ele o estivesse a permitir. Respondeu-me apenas: “foi o melhor homem que conheci até hoje. Puro, sério e amigo. Teve o maior funeral que alguma vez tinha visto em Periscoxe”.
Perguntou-me, meio desconfiado se o tinha conhecido. Respondi-lhe que era o meu tio António. Não permiti, tal como ele, que ninguém me visse com lágrimas nos olhos. Muito menos o instrutor.
Tudo isto vem a propósito de nunca me ter esquecido de um Natal em que o meu tio aparece, sem ninguém contar, com toda a família, cheio de presentes para todos, um bacalhau enorme e ficamos todos juntos nesta casa, num dos Natais mais felizes que já tive. Eu, nessa altura, era o mais novo daquele clã de Teodósios.
Foi bom. Incrivelmente bom.
Nesta casa, que me limito, ir tomando conta e vai ganhando novamente vida, porque renasce de novo, a cada dia que passa.
Amo esta casa, como se de uma pessoa se tratasse. Não porque seja minha, porque não o é. Limito-me a ir cuidando dela e alterando pontualmente algumas, poucas coisas. Nada mais que isso.
Já houve Natais em que tive de fugir daqui, porque o meu Pai, a minha Mãe, as minhas Tias … simplesmente, já não passavam essa noite comigo nesta espécie de espaço mágico e apenas nosso. Parecia, simplesmente, que esta casa tinha deixado de fazer qualquer sentido. Assim, inteira, triste e enorme.
Não era possível. Fugi sempre dela, tal como hoje, tal como, penso será ainda por muitos anos. Assim, só um de nós fica sozinho na Noite de Natal. Sozinho e pleno de memórias boas.
Mais ou menos por essas alturas comecei a detestar estas datas. E a fugir, fugir sempre daqui.
A vida foi serenando e eu com ela, obviamente. Foram ficando esses Natais longínquos e felizes. Restou ainda todo o imenso futuro que eu e esta casa esperamos aconteça… para voltarmos os dois a ser felizes nas noites de 24 para 25 de Dezembro.

Assim haja tempo disponível para que eu continue a ir tomando conta do seu tecto, do seu chão e das suas paredes. Assim haja tempo para ir reconstruindo devagar, bem devagar, tudo o que o tempo, a vida e todos nós fomos desgastando.
Desejo um Bom Natal a todos.
Desejo ainda, que o passem na Casa das vossas vidas rodeados de todos os vossos 'incondicionais' ou seja da vossa verdadeira família.
"O resto ...", como vem na primeira página do primeiro livro que li ... "... é silêncio". (Érico Veríssimo).

PS

Por esta altura, tanto a Casa como nós voltamos a estar prontos uns para os outros. Em todas as datas. 

Grande progresso.


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